Por João Paulo da Silva, pesquisador de pós-graduação em Sociologia.
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Relutei
muito em usar este espaço para me posicionar, justamente por estar
cansado de debates e embates com quem simplesmente não busca
entender algo além de suas paixões. Mas não posso me furtar em
marcar uma posição pública neste momento histórico tão perigoso.
Votei
em Lula em 2006 e em Dilma em 2010 e 2014. Não tanto por afinidade
ideológica, afinal sempre estive mais à esquerda do projeto
político do PT. Mas por reconhecer que Lula conseguiu avanços
jamais vistos na história do Brasil: tirou o país do mapa da fome,
aumentou o poder de consumo das classes baixas (consequentemente
ampliando a classe média), ampliou consideravelmente o número de
universidades públicas e o número de bolsas para pesquisa,
desenvolveu regiões do país que jamais tiveram o olhar de outras
gestões, entre outras tantas coisas.
Em
resumo: Lula, o “comunista”, buscou implantar algo parecido com o
capitalismo no Brasil. Inseriu o maior número de pessoas na lógica
do sistema capitalista: trabalho, produção, ascensão social e
consumo. Qualquer análise para além disso só pode ser devaneio da
turba anticomunista hidrofóbica que existe no país.
Obviamente
que ao optar por esse caminho, Lula buscou um pacto entre as classes.
Buscou agradar latifundiários e sem terras, banqueiros e classe
média, empresários e trabalhadores. Dois exemplos práticos: 1) O
REUNI, que ampliou o número e os investimentos em universidades
federais veio acompanhado do PROUNI e do FIES, que transferiu boas
parcelas do dinheiro público para os empresários da educação em
troca da ampliação do acesso ao ensino superior; 2) O “Minha
Casa, Minha Vida” permitiu com que muita gente pudesse comprar um
imóvel e ao mesmo tempo que aqueceu o mercado da construção civil
(gerando muita renda e empregos diretos e indiretos) e enriqueceu
ainda mais várias construtoras no país. Lula buscou conciliar, o
que lhe valeu inúmeras críticas e abandono de quem estava mais à
esquerda desse projeto. Foi um erro? No meu ponto de vista, não.
Mesmo tendo uma posição ideológica, filosófica e utópica muito
mais à esquerda do que o Lula, sempre enxerguei nesse tipo de
governo algo mais ou menos limítrofe possível de se fazer em uma
democracia dentro do sistema capitalista. Daria para ir além?
Talvez. Talvez uma reforma tributária que desonerasse os mais pobres
(tirando o imposto sobre o consumo) e os pequenos e médios
produtores e empresários e cobrasse mais de quem tem mais. Mas
pensem? Se Lula e o PT foram simplesmente descartados fazendo uma
política de conciliação, imaginem o que aconteceria se ele optasse
por uma política de enfrentamento.
Dito
isso, lendo e ouvindo inúmeros especialistas nesses últimos tempos,
sejam eles juristas, sociólogos do direito e/ou jornalistas, muitos
deles antipetistas e antilulistas de carteirinha (Reinaldo Azevedo,
por exemplo, foi o jornalista que criou o termo Petralha),
tenho absoluta certeza que Lula foi condenado sem provas. O
apartamento do Guarujá, causa da condenação, que teria sido
adquirido por Lula com fruto de corrupção, está penhorado para
pagar dívidas da empreiteira OAS. Ora, mas o apartamento é de Lula
ou da OAS? Não há provas apresentadas nesse caso. Se existem, elas
não estão arroladas no processo.
Isso
faz de Lula inocente? Não necessariamente. Isso quer dizer que ele
foi condenado sem provas nesse processo. Você pode até ter a
certeza que ele roubou o país. Mas a nossa convicção deveria valer
para justiça tanto quanto a flatulência de um equino. Em qualquer
Estado Democrático de Direito cabe ao acusador apresentar as provas
para condenar o acusado. Acusar baseado em um desejo coletivo de um
grupo social é algo típico de um estado de exceção. A própria
contradição da ministra do STF Rosa Weber (no caso do Habeas
Corpus) em dizer que vota contra a Constituição para fazer valer a
vontade da maioria (e, segundo alguns especialistas, se dobrando às
ameaças do exército) é sinal cabal desse Estado.
Eu
acredito que Lula é inocente? Primeiro: aceitar as doações
milionárias das empreiteiras para fazer campanha era a regra do jogo
eleitoral. Era impossível disputar as eleições com chances de
ganhar sem essa verba. Todos os grandes partidos abocanharam
fatias enormes dessa doação: PT, PSDB, PMDB, DEM e cia limitada
(Jair Bolsonaro, inclusive). Segundo: convenhamos que um presidente
não precisa de dinheiro de corrupção para comprar um apartamento
no Guarujá – seria o homem que teria a inteligência para ser o
chefe do maior esquema de corrupção da história do país
descuidado o suficiente para aceitar um apartamento fruto de
corrupção, perfeitamente possível de comprar com o seu próprio
salário? Pode ser. Eu não acredito. Mas pode ser. Contas na Suíça,
apartamento em Paris, mansão em Miami? Não. Um AP no Guarujá.
Então Lula é inocente? Até agora provas não foram apresentadas.
Portanto, segundo o Estado Democrático de Direito que defendo, ele
ainda é inocente.
Assim,
Lula até o momento está sendo vítima de clara perseguição
política. O judiciário julgou-o em uma velocidade inédita.
Condenou sem provas. Não permitiu que ele recorresse em liberdade
até o último recurso baseado em votos que manifestadamente
contrariaram a Constituição. Teve seu mandado de prisão expedido
em tempo recorde. Mas isso tudo importa menos do que a segunda
informação: ele foi condenado sem provas. Veja bem. Não estou
dizendo que só ele foi preso enquanto todos os outros (Aécio,
Temer, Alckmin, etc.) estão soltos. Estou dizendo que ele foi
condenado sem provas. Não estou dizendo que ele é
inocente. Não estou dizendo que é culpado.
Se
você concorda com a prisão do Lula e chegou ao final deste texto,
espero que você reflita minimamente sobre ele. Estou à disposição
para dialogar, mandar mensagens, dados estatísticos e fontes. É só
me escrever. Faço questão de respondê-los pessoalmente, na medida
do possível. Caso você continue concordando com a prisão de Lula,
ao menos admita que você abre mão do Estado Democrático de Direito
para encarcerar aqueles que você não gosta (ou considera culpado de
alguma coisa). Só não esqueça: hoje é o Lula. Amanhã pode ser
você.
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