Nota
de leitura
Recebido
em 19 de outubro de 2017.
Por
Jefferson Gustavo Lopes, mestrando em História pela UFCG.
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Livro de Jean-Jacques Marie |
A propósito do centenário da revolução socialista que mudou o mundo, diversos livros então sendo lançados no Brasil. Tanto sobre a história da revolução russa em si como biografias acerca das lideranças revolucionárias, sobretudo, Trotski, Lênin e Stálin, este último uma personagem histórica que o autor que escreve estas breves linhas não reivindica. Temos a obrigação moral de desfazer algumas mentiras. Sendo assim, a maioria das publicações são de caráter anticomunista, reafirmando aquelas teses já desenvolvidas pela sovietologia norte-americana dos anos 50 e 60, que tinha em Richard Pipes seu maior representante. Pipes desenvolveu “teses” que não tinham nenhuma preocupação com a verdade histórica, mas eram mera propaganda anticomunista que tiveram e tem a função não apenas de difamar o regime socialista soviético (não vou me ater sobre o caráter do Estado soviético, pois não é o objetivo deste texto), como também a todos os subalternos e seus órgãos de classe, que enxergavam 1917 como um marco concreto na luta contra a exploração da sociabilidade do capital.
Para
além das teses requentadas e já refutadas por uma historiografia
séria, independentemente do pressuposto epistemológico, foram
lançados alguns livros inéditos muito interessantes e
esclarecedores sobre aspectos da revolução que são pouco debatidos
de modo mais denso pela historiografia. Destaco
o livro História da guerra civil russa (1917-1922), do
historiador francês Jean-Jacques Marie. Esse livro nos
é importante por três questões. A primeira: porque ele traz uma
reconstituição histórica, através de memórias, dos principais
personagens envolvidos na guerra civil, sejam agentes do exército
branco ou do vermelho. Este último teve que se defender dos ataques
da coligação capitalista estrangeira e das elites derrotadas na
Revolução de Outubro. A segunda: destacar as diversas forças
sociais e políticas que lutaram contra os bolcheviques. Ou seja, os
bolcheviques não só tiveram como adversário o Exército Branco
restaurador, mas também mencheviques e socialistas de direta, que em
muitas regiões da Rússia travaram embates contra os bolcheviques
sob alegações diversas, que comentarei no decorrer do texto. A
terceira: para uma compreensão mais séria (para além das
propagandas da sovietologia norte-americana e das teses idealistas e
inocentes produzidas por alguns anarquistas) da revolução russa e
seus desdobramentos, à luz do conflito interno que durou
praticamente quatro anos e deixou a Rússia destroçada
materialmente. Como argumentou o historiador Christopher Hill,
amparado em dados,
“Em
1921, a área de cultivo era menos de 60% e a produção bruta não
atingia metade da cifra anterior à guerra; o excedente negociável
decrescera a um ponto ainda mais baixo, com o desaparecimento das
grandes propriedades. Em 1920, a produção da indústria pesada
somava apenas 13% daquela anterior à guerra, e a da indústria
ligeira, 44%. Os meios de transportes e o comércio interno estavam
completamente quebrados; o comércio exterior também cessava
virtualmente, em consequência do bloqueio que durou até janeiro de
1920 e do boicote financeiro que se estendeu até o verão de 1921
(Hill, 1967, p.139).
Mas
os números de mortos e refugiados da guerra civil não são
desprezíveis, pois mais de 4,5 milhões de pessoas morreram, além
do número de 2 milhões de refugiados (Marie, 2017, p.14). Em suma,
podemos dizer que a guerra civil, como nosso autor mostra, foi um
desafio difícil para a sobrevivência do primeiro governo oriundo
dos conselhos de trabalhadores e camponeses. E, posteriormente, mesmo
com a vitória, os bolcheviques tiveram um preço alto a pagar, pois
além da destruição da base material do país, ainda tiveram quase
o aniquilamento físico dos sovietes. Com isso,
houve uma grande dificuldade de reconstrução de uma democracia
operária baseada nos conselhos de operários e camponeses. Assim, a
análise aprofundada de Jean-Jacques Marie nos dá subsídios
importantíssimos para explicar o “autoritarismo” do partido
bolchevique pós-guerra civil, uma vez que as condições objetivas
para o partido de Lênin eram bastante desfavoráveis, ocasionadas
pela guerra. Como se daria a construção do socialismo numa Rússia
faminta e embrutecida pelas consequências do conflito?
Portanto,
estamos de acordo com as análises de dois historiadores da revolução
russa: Isaac Deutscher e Moshe Lewin. Para ambos, a guerra
civil foi um dos elementos explicativos para a tomada de medidas
equivocadas e autoritárias, como, por exemplo, a supressão de
outros partidos de esquerda, medida nunca existente nas concepções
originais do partido bolchevique. No nosso entendimento, a supressão
de outros partidos, como o dos mencheviques e dos socialistas
revolucionários, principalmente, foi um erro grave, e que teve
consequências nefastas. Por outro lado, tanto os socialistas
revolucionários como os mencheviques foram contrários à
insurreição de Outubro, assim como denunciaram e confabularam a
queda dos bolcheviques. Meses depois da vitória da insurreição,
parte significativa deles pegou em armas na guerra civil contra os
bolcheviques (embora tenha havido aqueles que preferiram lutar ao
lado dos últimos). Mas, o fato é que a direção desses partidos, e
suas lideranças, confabularam para derrubar os bolcheviques a
qualquer custo.
A continuar.
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