Ensaio
Recebido
em 20 de junho de 2017.
Por
Michel
Zaidan Filho, professor titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas/UFPE.
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Assembleia do Soviet de Petrogrado em 1917 |
Seria
necessário aguardar o pensamento de Antônio Gramsci e seus
intérpretes, para que fosse possível repensar “a hegemonia como
contrato”, ou “rousseaunizar” Gramsci, como diz o ensaísta
brasileiro Carlos Nelson Coutinho (“Marxismo e Teoria Política”).
O núcleo duro da teoria política marxista vê o Estado como um
instrumento político a serviço da classe dominante. Dessa forma, a
democracia só pode ser vista como um expediente tático, para
acumulação de forças, em direção à revolução socialista. Daí
o caráter das alianças políticas da classe operária e de seu
partido.
Outra
questão relevante é a dialética entre o nacional e o
internacional, que depois estaria no centro do movimento comunista
internacional envolvendo Stalin e Trotsky. A revolução socialista é
mundial ou pode-se fazer, inicialmente, concessões a minorias
nacionais? Como se sabe, desde o Manifesto
do Partido Comunista,
Marx admite que a emancipação do proletariado moderno não pode se
dar, isoladamente, neste ou naquele país. Tem de ser um movimento
internacional, sob pena da contrarrevolução triunfar. Como o
próprio capitalismo ajuda a escrever uma história mundial, a
revolução socialista tem ser, também, em escala mundial. Mas as
circunstâncias históricas onde ocorreu a Revolução Russa (tanto
internas, quanto externas) foram determinantes no recuo estratégico
e a defesa da União Soviética, durante o “comunismo de guerra”.
Antes mesmo de Stalin proclamar a doutrina do “socialismo em um só
país”, o próprio Lenin já reconhecia que era preciso consolidar
a revolução e, para isso, seria necessário fazer certas
concessões: ora aos camponeses; ora às nacionalidades; ora à
burocracia residual do velho regime. Rosa Luxemburgo foi a primeira a
chamar a atenção do líder bolchevique de que tais concessões
poderiam representar, no futuro, uma ameaça ou entrave para a
constituição de uma verdadeira República Soviética. Mas,
naturalmente prevaleceu a opinião de Lenin, depois muito reforçada
por Stalin no debate com Zinoviev e Trotsky. Difícil seria, como em
outros casos, achar uma segura base doutrinária para essa tese, já
que se tratava de um arranjo tático numa conjuntura política
crucial para a sobrevivência da Revolução (a propósito, leia-se
Um
passo adiante e dois para trás
e Esquerdismo:
doença infantil do comunismo,
ambos de Lenin).
Na
verdade, quando se compara a possibilidade de uma revolução
socialista na Europa com aquela que se deu na Ásia, e depois na
América Latina e na África, é que se percebe o peso da questão
nacional em relação ao internacionalismo proletário. A despeito da
Internacional Comunista ter sido pensada como “o Estado-maior da
revolução mundial”, ela foi usada por Stalin em função das
conveniências políticas (nacionais) da União Soviética. Veja-se,
por exemplo, o que ocorreu com os comunistas na guerra civil
espanhola.
Outro
ponto muito discutido na experiência revolucionária russa (e fora
da Rússia) é o do papel dos camponeses. É preciso dizer que Marx,
diferentemente de Engels, Lenin ou Chayanov, nunca morreu de amores
pelos camponeses e/ou a pequena propriedade rural. É conhecida a sua
famosa expressão: “um saco de batatas”, referindo-se ao
campesinato francês, que sempre votava a favor dos Bonaparte
(veja-se O
Dezoito Brumário de Luís Bonaparte).
Seu companheiro Engels, e depois Lenin, é quem manifestaram uma
maior acuidade política em relação à questão camponesa, na
Europa e fora dela. O primeiro escreveu o conhecido artigo: O
problema camponês na França e na Alemanha.
E o segundo, sempre teve o maior cuidado de contemplar as
reivindicações do pequeno campesinato no processo revolucionário,
sobretudo na fase democrático-burguesa da revolução. A tendência
do desenvolvimento do capitalismo no campo era a proletarização
objetiva dos camponeses e sua transformação em operários. Mas,
subjetivamente, as coisas não eram assim. Muitos alimentavam a
ilusão da posse da terra, mesmo em condições de profundo
endividamento. Não eram ideologicamente a favor da coletivização
da terra. Se na Europa ainda havia resquícios de uma mentalidade
feudal ou camponesa entre os trabalhadores do campo, imagine-se na
Rússia! Na verdade, a decisão de coletivizar (à força) a
agricultura soviética foi de Stalin, numa espécie de acumulação
primitiva do “socialismo em um só país”. E essa decisão custou
muito caro: desorganizou a agricultura soviética até hoje.
Agora,
como transformar isso numa teoria revolucionária, contemplando a
situação particular dos camponeses? Esse é o problema teórico. A
não ser que os pequeno-camponeses fossem encarados como “aliados
táticos” numa certa fase da revolução. Depois, seriam
descartados se não aderissem ao socialismo. Pessoalmente, considero
a questão agrária ou camponesa como uma espécie de punctum
dolens
da teoria revolucionária do socialismo, sobretudo quando levado para
a periferia do capitalismo.
Fim
da parte 2 de 3.
Parte 1: http://www.blogsintese.com.br/2017/06/reflexoes-sobre-revolucao-russa-no-ano.html
Parte 1: http://www.blogsintese.com.br/2017/06/reflexoes-sobre-revolucao-russa-no-ano.html
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