Conto
Recebido
em 29 de setembro de 2016
Por
Gutemberg
Miranda,
que
é docente de Filosofia
na UFAL.
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Campo de concentração nazista de Auschwitz |
Os
novos tempos não perdoam aqueles que fogem dos padrões estéticos
impostos pela lógica do consumo. Ora, não faz mais sentido conviver
com um obeso, alguém que não se veste na moda, que não se perfuma
ou não utiliza os cosméticos indispensáveis não apenas para a boa
aparência, mas sobretudo para o bom convívio e a sociabilidade
perfeita. Não é injusto que tais pessoas que fujam desses padrões
sofram preconceitos e paguem por seus desvios de condutas. A
sociedade não os perdoa. Eles não tem saída, precisam aprender a
lição. SPA's,
academias, clínicas de cirurgia estética e até tratamento
psicológico. A sociedade faz de tudo para recuperar essas pessoas.
Se
elas não aceitam, precisam aprender por outros meios e, se
necessário, deve ser utilizado o uso da força.
Tal
foi o consenso que passou a vigorar na sociedade como um todo, nos
meios de comunicação, nas escolas e locais de trabalhos. Quem não
atender aos
padrões de consumo, deve ser afastado da sociedade. Um Big
Brother
com
todos esses párias passou a ser a única alternativa para quem não
se encaixasse nesses padrões. Essa foi a solução que a sociedade
encontrou para remediar a grande disparidade entre os que se esforçam
para o bem estético da humanidade e os que não se preocupam com a
aparência. Um centro de reabilitação, um pan-óptico
controlado por toda a humanidade enquanto alternativa para que a
estética única não seja incomodada na grande passarela da vida,
passou
a convidar
a todos que não se encaixam, com promessas de perda de peso e ganho
de massa muscular.
Muito
trabalho forçado, experimentos científicos tendo em vista o
progresso da humanidade, cobaias humanas, manipulação genética: a
humanidade se divertia com os castigos aplicados aos transgressores
da ordem estética. Os adeptos do sexo bizarro e sadomasoquistas
podiam fazer o que bem quisessem com os refugiados no Campo
da Globalização.
A religião também tentou converter os desregrados estéticos aos
parâmetros hierárquicos da perfeição corporal. Antropólogos,
filósofos, sociólogos, psicólogos também tentavam compreender
como alguém não pode se importar com o culto ao corpo. Diante da
incapacidade das ciências humanas em explicar tal fenômeno surreal,
químicos, biólogos, sanitaristas, administradores de empresas e
economistas começaram a cogitar o que fazer com tal tipo de gente.
As
propostas foram as mais diversas, já que o trabalho forçado e a
tortura não funcionavam. Não
encontraram outro remédio senão o extermínio em massa da população
irredutível aos
ditames da aparência e da superficialidade. Um projeto mundial para
reunir todos os
inadequados
ao
sistema estético foi planejado. As pessoas eram atraídas em massa
com as mais diversas técnicas de propaganda, e
não imaginavam o que se escondia por trás dos convites e de todo
tipo de venda
enganosa. Um exército mundial foi treinado para a execução final.
A câmara de gás não foi recomendada porque exigia um ambiente
fechado, e as emissoras de televisão teriam dificuldade em
transmitir o discreto método dos nazistas ao vivo. A irradiação
inerente a uma bomba atômica seria um preço alto demais a pagar com
pessoas tão insignificantes. Logo,
o descaramento típico dos americanos também não era útil ao
projeto. Mas qual a melhor forma de se erradicar os diferentes do
planeta de forma rápida e espetacular?
Um
filósofo lembrou a natureza suicida de Sócrates, que segundo a
perspectiva de Nietzsche, estava associada ao fato dele ser feio e
doente. “Excelente ideia!”, exclamou o presidente da Organização
das Nações
Estéticas.
“A
fisiognomia
é a verdadeira ciência, devemos
retornar
aos gregos. Excelente
ideia! A
partir de hoje caberá aos
fisiognomistas
decidirem
entre a vida e a morte de todos os viventes. E
o Campo
da Globalização
deve ser ampliado, e todos aqueles que não apresentarem os padrões
da simétrica
narcísica grega serão condenados a tomar cicuta”. Segundo um
pensador alemão, feiura
e doença não são capazes de resistir, de se opor à pena capital.
Assim
falou Nietzsche: Sócrates,
Sócrates sofreu da vida!
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Prisioneiros de campo de concentração |
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