Ensaio
Recebido
em 20 de novembro de 2016
Por
Ivonaldo Leite,
Sociólogo, PhD, Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
e
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Sociedade
e Culturas, GEPEDUSC/UFPB-CNPq.
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Manifestantes pró-ditadura militar invadem Câmara dos Deputados |
Recebo
de um amigo do sul do país, também professor universitário, uma
mensagem, meio a brincar/meio a sério, começando de forma
indagativa: 'Exílio,
América do Sul – onde vamos trabalhar? Santiago, Buenos Aires ou
Montevidéu?' Mutatis
mutandis,
manifestações como esta dão a dimensão do nível ao qual chegou a
crise brasileira. Deu mais alguns passos em direção ao abismo.
Quem
tem um certo grau aprofundado de conhecimento de história política,
sabe que é, digamos, um preocupante 'ponto
fora da curva'
o fato de um grupo protofascista de manifestantes invadir o
parlamento, promover quebra-quebra, tomar de assalto o plenário e
defender a implantação de uma ditadura. Foi o que ocorreu na Câmara
dos Deputados na passada semana. Veículos da mídia corporativa,
meio que envergonhados com o ocorrido (por terem dado vazão a atos
de ódio durante as manifestações pró-impeachment), procuram
relativizar o acontecido, alegando que foi uma ação praticada por
um grupelho.
Tal
discurso traz à memória um episódio recentemente lembrando pelo
competente jornalista Vandeck Santiago envolvendo o lendário
governador pernambucano Miguel Arraes e o presidente chileno Salvador
Allende. Deposto pelo golpe civil-militar de 1964, Arraes exilou-se
na Argélia. Em 1972, viajou ao Chile e encontrou-se com Allende.
Disse-lhe que a sua impressão, baseada no que tinha visto no Brasil,
era que um golpe de Estado estava a caminho no Chile. Allende
afirmou que ele não se preocupasse, porque no Chile só havia uns
poucos fascistas. Arraes retrucou: “Os fascistas, em qualquer
lugar, sempre
são poucos. Eles só são lançados à frente pelos conservadores
quando alguém tem que sujar as mãos de sangue, porque os
conservadores não têm essa coragem”.
No
ano seguinte, Allende foi deposto. Morreu lutando contra os
fascistas, que, àquela altura, já eram muitos.
Na
invasão da Câmara dos Deputados, uma manifestante destacou-se por
dois fatos: o primeiro, a exibição da ignorância ao tomar a
bandeira do Japão como sendo a representação do comunismo; o
segundo, menos divulgado, a satisfação em mostrar a mão
ensanguentada em decorrência do quebra-quebra realizado. Só mesmo
um misto entre paixão e ideologia para fazer com que determinadas
pessoas não percebam a gravidade da marcha que o Brasil está a
fazer. A ideologia, no caso, como visão inversa (e perversa) do
real; a paixão política como cegueira, tributária do sentido
etimológico-conceitual do que se entende mesmo como paixão:
passividade, alienação, 'emocionalismo desregulado', resultando
em… sofrimento (daí que Platão, diferenciando amor e paixão,
remeta esta última
para
o 'mundo das sombras' e coloque o amor na esfera do 'mundo
essencial').
De
resto, é uma completa afronta à democracia a política medieval de
retaliação a adversários (ou até mesmo apenas críticos) que o
governo federal vem promovendo. O tratamento dispensado ao estado da
Paraíba é um exemplo nesse sentido. Está se chegando ao ponto de
negar audiência ao governador. Ora, o país é uma federação, e a
restrição a convênios e repasses financeiros, por parte da união,
têm impactos diretos sobre os serviços prestados pelos estados à
população, bem como sobre os salários do funcionalismo estadual,
sobretudo em estados, como a Paraíba, cuja capacidade orçamentária
não tem a dimensão equivalente à estrutura de outras unidades
federativas.
"Quatro
patas bom, duas patas ruim" – a atual conjuntura brasileira nos
lembra da atualidade de George Orwell.
Entre revolução dos bichos, totalitarismo e repressão. Novilíngua.
Santiago
do Chile, Montevidéu, Buenos Aires. Fico a pensar se o meu amigo que
falou sobre pegar o passaporte e partir para o exílio na América do
Sul não está a ser realmente preditivo.
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