Ensaio
Recebido
em 16 de novembro de 2016
Por
Coletivo Transição e
Nova Organização Socialista
(NOS)
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Assembleia dos docentes da UFPE (10 de novembro de 2016) |
As
disputas muitas vezes colidentes acerca do que é ou não democracia
não são recentes, sejam nas teorias e filosofias políticas ou nas
lutas sociais cotidianas. No atual contexto de golpe
jurídico-parlamentar, e com o avanço das mobilizações de diversas
categorias de trabalhadores e estudantes contra os retrocessos do
governo ilegítimo de Temer, expressos principalmente na PEC 55
(antiga 241) e nas várias contrarreformas, acabamos por nos
deparar com outros pequenos golpes (ou tentativas) cotidianos. Foi o
que vimos na Adufepe – Associação dos docentes da UFPE –
na assembleia do último 10 de novembro que tinha como pauta a
deliberação sobre a greve docente.
Um
golpe é um procedimento sempre com uma conotação política de
fundo, mesmo quando realizado juridicamente, que quebra a legalidade
anterior e faz com que o que não era tolerado e aceito passe a ser
considerado legítimo. Para ser bem-sucedido, precisa se apoiar em
uma maioria política, ativa ou passiva. O golpe que retirou Dilma
Rousseff (PT) do cargo de presidenta da república foi um golpe,
independente de nossa posição sobre seu governo, porque foi baseado
em um julgamento que considerou que atos por ela praticados
(“créditos suplementares” e “pedaladas fiscais”) eram crimes
e, por isso, essencialmente diferentes de atos semelhantes praticados
por outros presidentes antes dela e por vários outros governadores
estaduais em circunstâncias parecidas. Em suma, o que era uma
prática considerada comum passou a ser vista como um crime
(independente de concordarmos ou não com ela). Um procedimento
jurídico, todavia, nunca é neutro, e oculta interesses sociais e
políticos, conscientes ou não.
A
diretoria da Adufepe se diz
contrária à PEC 55 e ao governo ilegítimo de Temer, mas nas
assembleias da categoria utiliza-se de manipulações, anunciadas
como democráticas, semelhantes ao que ficamos acostumados a ver em
comissões no Congresso Federal, especialmente com Eduardo Cunha
(PMDB) à frente. Na verdade, ela tenta se equilibrar, por um lado,
com a necessidade de parecer uma diretoria de luta e democrática e,
de outro lado, com o imperativo de manter o máximo controle sobre o
aparelho sindical (e os benefícios materiais e imateriais que podem
daí advir). A ação concreta e objetiva de luta contra o desmonte
do Estado brasileiro é secundarizada diante da necessidade maior de
controlar o aparato burocrático sindical, ele mesmo a serviço de um
aparelho político-partidário superior.
A
diretoria da Adufepe vem trabalhando de forma contraproducente e
desmobilizadora e há semanas busca pôr uma “pá de terra”
na progressão que o movimento estudantil vem tomando ao ocupar
vários prédios da UFPE. Essa ação, todavia,
não é estranha para boa parte dos sindicatos no Brasil,
especialmente aqueles controlados pelo PT e pelo PCdoB – mas não
apenas.
Além
de não fortalecer o Comando Unificado de Greve, a diretoria da
Adufepe conduz suas assembleias através de um método que podemos
definir como de “democracia manipulatória” ou “democracia
desmobilizadora”. Vejamos alguns exemplos:
(a)
como reza o estatuto da entidade, na última assembleia do dia 10
alguns professores exigiram a colocação de um membro da plenária
na mesa diretora. A presença de uma professora em tal mesa, no
entanto, teve pouca força para impedir com que o presidente do
sindicato conduzisse os rumos da assembleia como bem lhe aprouvesse.
Além de deliberar sobre os procedimentos metodológicos por si
mesmo, debochar das falas dos estudantes, cortar o microfone em
intervenções inconclusas de professores e fazer coro com o
movimento de direita Desocupa
UFPE, o presidente
do sindicato mais parecia um déspota;
(b)
a diretoria da Adufepe unilateralmente imprimiu e levou cédulas para
votação sobre a deflagração de greve, que os professores eram
obrigados a receber durante o credenciamento e a entrada na
assembleia. Utilizaram o argumento de que democratas não tem medo de
voto secreto em urna. Os votos em assembleias anteriores foram sempre
abertos. Além disso, a Adufepe vem também tentando substituir os
votos presenciais, antecedidos por uma arena pública de debates, por
consultas individualizadas e atomizadas via internet. Não se trata
de um princípio irrevogável votar abertamente ou, ao contrário,
secretamente em urna. Nem mesmo a realização de consultas virtuais.
Mas quando tudo isso é apenas uma desculpa para a interdição,
diminuição e obstaculização do posicionamento público e das
intervenções (que buscam o debate, o confronto de ideias e a
possibilidade de convencimento de um corpo político), é apenas mais
uma forma de democracia manipulatória. Afinal, quem vai dizer que o
voto secreto em urna é antidemocrático? Em geral, quanto mais
amadurecida e consolidada é uma democracia, menos ela tem a temer
com votos abertos, pois respeita as posições diferentes anunciadas
e não persegue quem quer que seja. O voto secreto em urna, nesse
caso, foi uma forma da diretoria da Adufepe desmobilizar a força
coletiva dos favoráveis à greve e fortalecer os professores
contrários a ela – que geralmente não participam das deliberações
cotidianas da categoria e nem se dispõem a debater suas posições
abertamente na tribuna da assembleia. Foi apoiando-se na força
atomizada desse último segmento, que ela consumou o que já tinha
planejado unilateralmente antes: o voto secreto em urna;
(c)
a democracia manipulatória tem esse nome pois manipula as decisões
coletivas com o fito de fazer passar as decisões de quem está no
poder como sendo as mesmas que as decisões da maioria. Como a
diretoria da Adufepe não queria proporcionar o debate público de
posições contrárias sobre a deflagração ou não da greve, com o
risco de aumentar o número de docentes favoráveis a ela, fez um
bloco formal com seis falas de dois minutos, totalizando 12', numa
assembleia com mais de 700 docentes e mais de 300 estudantes! Quando
foram solicitadas mais falas, dada a importância da votação e o
tamanho da assembleia, o presidente do sindicato manipulou mais uma
vez: apropriando-se da posição de professores que não desejavam
ver abertas mais intervenções, ele lança a pergunta: “Devemos
abrir mais falas ou não?”. Mais de 40 minutos contando os votos
que decidiriam por não abrir mais um bloco de 15' de debate! Com
isso, ele deliberadamente fez com que o tempo dos docentes e dos
presentes, que poderia ter sido utilizado para o debate, fosse
consumido com mais uma contagem demorada e desmobilizadora dos votos.
Ele já havia manipulado de modo semelhante anteriormente, quando
utilizou a prática para a decisão sobre a votação secreta em
cédula ou não.
Apesar
de tudo isso, o “tiro parece ter saído pela culatra” para a
direção da Adufepe, pelo menos por enquanto: os gritos estudantis
pressionavam por demais os mais de 700 professores presentes a dar
uma injeção de ânimo no movimento Ocupe que tomou o Brasil
inteiro. A assembleia da UFPE foi, até o momento, a maior assembleia
docente do país. O resultado foi impressionante: apesar da tentativa
individualizadora, 367 professores decidiram aderir à greve, contra
347. Alguns até mudaram o voto ao perceber as manobras do sindicato.
Esses vinte votos de diferença provaram que a construção da
unidade nesta luta é a mais difícil e necessária tarefa a se
assumir a partir de agora. A greve foi deflagrada por tempo
indeterminado.
Mobilizar
uma greve real, e não uma “greve de pijama”, com atuações de
luta dentro e fora da Universidade, pautadas por um calendário
construído coletivamente é a obrigação de todos que se colocam
contra os ataques brutais das classes dominantes. Nesse sentido,
convocamos todas e todos os estudantes, docentes e técnicos a
participarem da Assembleia Geral da UFPE no dia 17 de
novembro, de caráter paritário e democrático entre os três
segmentos universitários. Nessa reunião, pensaremos em conjunto as
mais eficazes estratégias e táticas para construir nossa unidade de
luta, pautando a construção da Greve na Educação e a Greve Geral.
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Assembleia dos docentes da UFPE (10 de novembro de 2016) |
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