Ensaio
Recebido
em 16 de novembro de 2016
Por
Gutemberg Miranda, professor de Filosofia da UFAL.
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Slavoj Zizek, autor de Menos que nada |
A
ironia no terreno filosófico não representa aquilo que o “senso
comum” concebe como irônico. Trata-se de um método, uma concepção
com fortes consequências políticas. O pensamento de Zizek é
irônico e seu “apoio” a Trump não pode ser visto como uma
postura racional ou sob o ponto de vista do politicamente correto.
Ora, para entender Zizek e as eleições americanas é simples: o que
dizer da atitude dos democratas em relação a Julian Assange, Edward
Snowden, Bernie Sanders e tantos outros que sofreram perseguições
com sofisticados requintes de crueldade? O Partido Democrata tenta
ofuscar esses fatos, bem como todas as suas ações fascistas, usando
o discurso e a máscara do politicamente correto a partir de um forte
aparato midiático.
O
biopoder dos democratas é tão perigoso para o mundo quanto fascismo
declarado de Trump, e isso Zizek tem toda razão em denunciar. É
lamentável que colegas do campo filosófico ataquem tal pensador por
ele usar a ironia como tática política, até porque nós filósofos
não temos outros meios. A postura de Zizek pode ser comparada àquela
Coruja de Minerva que Hegel faz menção em sua Filosofia do Direito:
não cabe ao filósofo fazer previsões, mas refletir para além do
imediato e identificar o efetivo no curso controvertido e
contraditório da história. É preciso alçar voo, mas não a
qualquer hora do dia, apenas ao entardecer, para não se confundir
com o mercado das doxai,
das meras opiniões.
Querer
dar lições a Zizek, chamá-lo de reacionário, atacar seus
simpatizantes que no Brasil representam o setor mais progressista da
nossa intelectualidade acadêmica, esta, sim, é uma postura
conservadora e reacionária. Zizek vem construindo uma teoria das
mais amplas, complexas e profundas da atualidade, e desclassificar
seu pensamento por conta de mais uma de suas polêmicas, certamente
conscientemente elaborada para gerar o debater e fazer o “senso
comum” pensar, é de uma arrogância tremenda. Querer que Zizek
mude sua teoria política quando o seu ato recente é o maior símbolo
de acerto de sua teoria, é ignorância. Vejam, há algum tempo Zizek
vem trabalhando a categoria do cinismo, o recalque e a demagogia na
política. E o fenômeno Trump é a prova de que Zizek está certo.
Zizek não é a causa do fenômeno Trump, ele é o pensador que vem
denunciando que o ocidente descambaria inevitavelmente para o
fascismo devido ao recalque do politicamente correto.
Metafísica
negativa em Zizek? Longe disso, em Menos
que nada,
ele defende o materialismo histórico e compreende o sistema de Hegel
como um sistema aberto, e sua negatividade deveria ser repensada não
aos moldes de Adorno, mas em direção ao pensamento de Marx, ao
materialismo histórico. Criticar o negativo como causa de Trump? O
negativo precede Trump, se manifesta com Trump e representa o caminho
para a superação de Trump. O negativo na História não pode ser
silenciado, como fazem os politicamente corretos e os cínicos. A
tradição dialética olha para o negativo como algo inerente aos
processos históricos e sociais, e não como algo ruim; observa-o
enquanto o motor da historicidade que não pode ser percebida além
de suas determinações e contradições. Difamar como místico o
pensamento de Zizek é desconhecer por completo sua filosofia, que
aliás combate veementemente o fundamentalismo de todas as espécies,
inclusive o cristão. É lamentável que meu amigo Hugo diga isso de
Zizek: “Em última instância, a filosofia política žižekiana
repousa sobre bases obscurantistas, apesar dos elementos
progressistas de verniz, e consequentemente tinha de mostrar sintomas
reacionários”. Recomendo que ele leia Às
Portas da Revolução,
texto em que Zizek defende Lenin com bastante vigor: “A grandeza de
Lênin residiu em, nessa situação catastrófica, não ter medo de
triunfar – em contraste com o pathos
negativo
discernível em Rosa Luxemburgo e Adorno, para quem o ato autêntico
em última instância era a admissão do fracasso que traz à luz a
verdade da situação”.
A
verdade da situação Trump não deve ser vista com o pathos
negativo do fracasso, mas como o acerto de Zizek e de sua teoria
revolucionária. Caso ele não tivesse polemizado, não estaríamos
aqui debatendo a relação entre filosofia, revolução e fascismo.
Viva Zizek!
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