Recebido
em 11 de setembro de 2016
Por
Gutemberg
Miranda,
que leciona Filosofia na UFAL.
![]() |
Sigmund Freud (1856-1939) |
No
consultório do Dr. Maciel todos saíam com uma receita tarja preta.
Bastava ele desconfiar de alguma desordem comportamental, a partir de
seus parâmetros morais e religiosos, que a prescrição estava
garantida. Perguntava a opção sexual dos pacientes e, conforme
cálculos pré-estabelecidos com a ajuda de seu sistema teológico,
era indicado determinada dosagem de antidepressivos e ansiolíticos.
Bastava ouvir um relato de traição conjugal, era certa determinada
dosagem de psicotrópicos. Mas o que ele não aceitava mesmo era a
liberdade sexual, o sexo casual, e a multiplicidade de parceiros
sexuais era suficiente para determinar a dopagem e internação do
paciente.
Seus
colegas de ambulatório logo perceberam a loucura do médico, o seu
fanatismo religioso evidente e, por conta disso, não tiveram dúvida
que se tratava de um caso de internação. Ele acordou num leito de
hospital e ao perceber a situação prescreveu mentalmente um remédio
para seu colega de profissão. Ao ver a enfermeira que lhe aplicava a
injeção, não teve dúvida que se tratava de uma assistente do
diabo, e imaginou o quanto de droga psiquiátrica ela
mereceria por executar as ordens de algum cientista materialista sem
nenhuma convicção moral ou religiosa.
Sua
obsessão pela cura dos “males” através de medicamentos só
aumentou durante sua estada no sanatório. Dr. Maciel logo arrumou um
jeito de fugir daquele espaço que ele conhecia tão bem desde a
época de sua residência médica. Partiu para um lugar ermo, lá
encontrou muitos fiéis e não teve dificuldade em convencer as
pessoas com suas hipóteses fundamentalistas. Ele se tornou um líder
religioso carismático, mas sua grande vontade era curar o Complexo
de Édipo
de seus seguidores por meio de procedimentos farmacológicos.
Na
impossibilidade de recorrer à medicina tradicional, encontrou na
homeopatia um alívio para seu transtorno obsessivo: prescreveu um
chá para todos os ouvintes e recitou durante várias horas trechos
do evangelho, acreditando
que depois desse ritual o Complexo
de Édipo
estaria sanado por completo. Na medida em que seus discípulos se
acordavam, aplicava técnica de hipnose com a segurança absoluta que
não ouviria os relatos obscenos que imortalizaram a teoria de Freud.
Mas o que ele ouviu o deixou ainda mais transtornado. Seus devotos
diziam sentir atração sexual por Deus,
pelo Senhor,
pelo Pai
Celestial.
Dr. Maciel diante daquelas incredulidades, desmaiou. Seus
irmãos de fé o levaram para o hospital e por lá ele
permaneceu
em coma durante vários dias. Ao se acordar, exclamou: “Deus
me fez uma revelação! A partir de hoje Freud está superado!”.
Todos ficaram ansiosos na expectativa da revelação do conteúdo do
sonho, e o Dr. Maciel prosseguiu: “O segredo da virgindade de Maria
é a cura para o Complexo
de Édipo.
Jesus nasceu através da geração espontânea, e do Espírito
Santo
não se pode haver ciúmes. Salve, Aleluia, Salve! Por fim estamos
livres de Dr. Freud, graças a Deus!
Eis um milagre, a salvação! Glória, glória ao Senhor,
salve! A teologia nunca será superada pela psicanálise. Um simples
sonho põe abaixo a tese da estrutura bissexual do Complexo
de Édipo.
Eis a solução de todo enigma: a trindade, a virgindade de Maria, o
pai, o filho e o Espírito
Santo
não dão cabimento ao Dr. Freud, ao Complexo
de Édipo.
Não há remédio melhor para acabar com essas baboseiras de
inconsciente. Eu sabia, eu sabia. Glória meu pai, não me
abandonastes!”.
Em
seguida, o Dr. Maciel entrou em transe seguido de coma profundo, e
foi
indispensável a intervenção alopática: “Contraria
contrariis curantur” [“Os
contrários curam”].
Muito bom! Lembra-me, caro Gutemberg, O ALIENISTA de Machado de Assis. Arrisca Machado a dizer: Se todos são "loucos" menos eu; eu mesmo devo admitir: sou eu mesmo "louco" em meu próprio pífio hospício. Abraço fraterno.
ResponderExcluir