Ensaio
Recebido
em 12 de agosto de 2016
Por
Leal de Campos, militante socialista, ex-preso político e
economista.
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Indesejável Amanhã |
Com
o passar do tempo, aos poucos, vai-se percebendo um generalizado
andamento de desagregação social em todas as partes do mundo, sem
que haja as mínimas possibilidades de freá-lo num tempo hábil.
Populações inteiras são assestadas e vitimadas, em situações
agravadas, devido aos impasses causados por um sistema socioeconômico
já totalmente exaurido.
E
não é só a crise humanitária que atinge o continente
africano e coloca em xeque toda a Europa diante de ondas migratórias,
tendo em vista que as suas principais nações exploraram –
intensamente – os povos de lá, no decorrer dos
processos de colonização nos séculos 19 e 20, principalmente. Nem
também a pressão constante do Oriente médio que sofreu e
ainda sofre uma brutal extorsão de suas riquezas petrolíferas, com
a complacência despudorada dos despóticos regimes monárquicos da
região, estimulando em contrapartida reações diversas
contra os Imperialismos que até tentam perpetuar este domínio a
todo custo. Entretanto, para muito além desses fatos a situação é
crucial e extremamente desesperadora.
Ora,
se de um lado o ódio que alimenta o terrorismo fundamentalista de
Jihads, da Al-Queda e do ISIS, por exemplo, deteriora a “normalidade”
planetária e gera medo pânico entre as populações de vários
países de todos os continentes, de outro, as esquerdas não nada têm
de criativo a propor. O momento é diverso, recheado de contradições
e equívocos por parte das correntes políticas que deveriam se opor
ao regime capitalista com firmeza, buscando a reorganização da
classe trabalhadora e de suas lutas permanentes de forma autônoma e
independente. Mas, como se sair destes contratempos sem
realizar-se uma profunda análise crítica das ocorrências
revolucionárias que se deram no século passado, em especial as da
Revolução Russa de 1917 e seus desdobramentos?
Dia
a dia o Capitalismo vai perdendo a sua razão de existir e não é
mais capaz de administrar a sociedade em termos do tão falado
“Estado Democrático de Direito” sem o recurso da força para
enfrentar questionamentos pontuais, comprometendo a
institucionalidade que “legitima” e possibilita o pleno
exercício de poder das classes dominantes. Uma falácia
aceita e repetida que se transformou “numa verdade” para enganar
a todos e, especialmente, aos que são explorados. Por conseguinte,
num sentido contrário, amplia-se o número de marginalizados,
favorecendo as ações de traficantes de drogas, de fundamentalistas
religiosos e de criminosos contumazes, entre outras tantas facetas de
uma sociedade doente e agonizante. Conjuntura esta que vai também
exacerbando preconceitos disseminados e discriminações culturais, e
inclusive propiciando o ressurgimento de agrupamentos fascistas e de
extrema-direita, que reivindicam uma volta ao autoritarismo e
governos de exceção. E o pior de tudo isto é que não há como se
estancar estas fragmentações sem propostas exequíveis
para a edificação de uma nova sociedade, fundamentada em outras
bases e que possa viabilizar novos caminhos para todos os seres
humanos.
Crianças
e jovens adolescentes em geral não têm mais nenhuma perspectiva de
um futuro promissor, somente situações desfavoráveis às suas
existências, incluindo a desnutrição, o uso de drogas e
gravidez precoce, em situações de rua, abandonados a própria
sorte. Apesar de todos os avanços tecnológicos a fome se espalha
por várias regiões, onde faltam escolas em boas condições de
funcionamento e recursos para implantar programas sanitários
básicos, bem como hospitais e postos de saúde, que funcionem e
atendam a demanda daqueles que necessitam destes serviços. E assim,
nestas adversas circunstâncias, a criminalidade vai se ampliando. A
maioria das populações vive em situações precárias de moradia e
não tem sequer dinheiro suficiente para consumir o necessário,
faltando-lhes recursos para superar a pobreza crônica, mesmo quando
saem da miséria extrema. Uma calamidade que não é superada
em face dos interesses egoístas e gananciosos dos
capitalistas, que somente estão, apenas, preocupados em lucrar cada
vez mais, concentrando riquezas patrimoniais e reproduzindo bolsões
de miséria e pobreza.
As
crises cíclicas tão recorrentes não têm “soluções” que
venham beneficiar as camadas mais vulneráveis das populações, mas
sim para favorecer os grupos financeiros e realimentar a taxa de
lucros quando em declínio. Explorar as riquezas naturais a favor das
corporações empresariais é uma necessidade de um sistema
capitalista falido, que continua tão predatório quanto antes ao
mesmo tempo em que esconde e mascara as suas inúmeras mazelas. Uma
delas é a de realizar eleições periódicas para enganar a todos,
com a ilusão de que estão decidindo algo pra valer e que podem
melhorar as coisas através do voto. É também a defesa abstrata
de uma democracia que só favorece aos patrões e seus serviçais,
tão somente, conceito este considerado universal que se
sustenta numa “igualdade” aparente e na fábula de que se pode
“modificar” o Estado atual. Não obstante, mesmo se tratando de
um “legado” que possibilita algumas reivindicações por direitos
e cidadania, pouco ou quase nada pode se fazer para ampliar os
espaços dentro da ordem burguesa. Isto é, enquanto as massas
continuarem iludidas e pensando que a culpa é deste ou
daquele governo, ou partido político, tudo seguirá
como antanho, sem mudanças estruturais significativas que possam
melhorar as relações socioeconômicas, tendo sempre em pauta
possíveis retrocessos quanto ao que foi conquistado antes com
muita luta.
Sabe-se
que falta uma compreensão por parte das esquerdas de que governo não
é poder, pois o genuíno mando está em outras mãos que não as
da classe trabalhadora nem das gentes comuns. Por isso, é primordial
se ter a clareza de que não é possível reformar o sistema vigente
para torná-lo menos destrutivo, principalmente pela via parlamentar,
através de eleições e de alianças com setores os conservadores,
em troca de uma suposta governabilidade. Não! Esta fantasia tem que
ser desconstruída logo para que se possa usar, isto sim,
outros meios de se impopularizar o sistema socioeconômico,
visando criar uma consciência crítica revolucionária
de conteúdo transformador, desde já. Contudo, para se viabilizar
alternativas, tais como os conselhos populares por fora de
governos, e em vários locais, não basta somente defendê-los em
textos, teoricamente, mas sim participar ativa e coletivamente desta
substancial empreitada em cada comunidade, discutindo e debatendo os
problemas específicos de cada área, seja do campo ou das cidades. E
a partir disto, procurar informar, esclarecer e
conscientizar, de modo didático, quais são os reais
problemas que afetam a sociedade em que se vive e revelar, sem
meias-verdades, o “nome do bicho” que é o responsável por tudo
isso: o Ca-pi-ta-lis-mo.
Não
obstante, talvez nem seja possível superar esse caos e se evitar a
barbárie que se anuncia, pois o tempo urge e as opções que
deveriam ser dadas pelas esquerdas em geral não aparecem. É muito
fácil, e até mesmo inconsequente, se propor uma “ditadura do
proletariado” nos tempos atuais, sem entender que isso não tem
mais o respaldo de outrora, desde que as condições objetivas e
subjetivas são bem distintas das de ontem. Não dá mais para
apostar no controle político de um partido único nem
de um regime fechado, sem o amplo exercício do livre debate e
da liberdade expressão, tendo por base o pluralismo
político-ideológico. É preciso sim se construir consensos entre
opiniões que são diferentes e igualmente se aprender a conviver sem
intolerâncias com visões singulares, que não são
excludentes. Enfim, necessário se faz buscar a possibilidade de uma
sociedade autogovernada, fruto da libertação dos próprios
trabalhadores pelos seus próprios meios, sem controle e tutela por
parte de alguns grupos políticos que venham usurpar o autêntico
poder das massas, condicionando-as a não serem as
protagonistas de fato, e de direito, dentro da nova ordem
revolucionária que for, consequentemente, estabelecida.
Mas,
será que se terá tempo histórico para isso? Talvez não. Embora
relembremos ainda hoje as proféticas palavras de Engels e Rosa,
alertando para as contingências do estabelecimento da
barbárie se o Socialismo não viesse a triunfar. Eis a questão que
está posta desde antes, mas ainda sem as devidas e imprescindíveis
respostas que se fazem necessárias no presente.
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