Ensaio
Recebido
em 16 de maio de 2016
Por
Renato Correia, estudante de Direito e ativista social.
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Temer nomeia Alexandre de Moraes (PSDB/SP) como novo ministro da Justiça.
Moraes é conhecido pela truculência na relação com movimentos sociais.
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Diante
dos últimos fatos políticos ocorridos no Brasil, onde se instalou
um processo de impeachment que levou ao afastamento da Presidente
Dilma e à posse do vice Michel Temer; diante da extinção do
ministério das mulheres, igualdade racial e direitos humanos, bem
como a nomeação do novo ministro da defesa, o ex-secretário de
segurança pública de São Paulo, Alexandre de Moraes; diante das
propostas que tramitam no Congresso Nacional, tais como: revogação
do estatuto
do desarmamento,
do estatuto
da família,
da redução
da maioridade
penal, da proposta
de revogação da audiência
de custódia
entre outros projetos
de lei;
diante
do
aumento da violência e do uso da força contra defensores dos
direitos humanos, ativistas sociais, manifestações populares de
caráter reivindicatórios e organizações dos trabalhadores; em
face do risco à
agenda dos Direitos
Humanos e da escalada da repressão jurídica e estatal nos últimos
anos contra os movimentos populares e sociais, passo à análise.
Impeachment
Em
17/04/2016, a Câmara dos Deputados em sessão presidida por Eduardo
Cunha votou o pedido de abertura do processo de impeachment em face
da presidenta da república, Dilma Vana Rousseff. O fundamento do
pedido versa sobre as “pedaladas fiscais”. Em síntese, imputa-se
contra a presidenta a prática de atrasar repasses a bancos públicos,
a fim de cumprir as metas parciais de previsão orçamentária.
Desde
então um grande debate é travado no Brasil, consubstanciado em duas
questões: o
pedido de impeachment da presidenta Dilma é legal ou ilegal?
Pedaladas fiscais são
crime de responsabilidade ou não? Conceitualmente, entende-se por
impeachment o processo pelo qual se destitui o ocupante de
cargo governamental acusado de práticas contrárias aos deveres
funcionais. Sendo assim, a rigor, impeachment não pode ser
considerado ilegal.
Por
seu turno, crime de responsabilidade são infrações
político-administrativas que são tipificados pela lei 1.079/1950 e
recepcionadas pela Constituição de 1988. Destaque-se
que a Lei 1.079/1950 é o texto base para tese de fundamentação do
pedido de impeachment de Dilma. Segundo os juristas que
elaboraram o pedido, a presidenta teria cometido os seguintes
delitos: (a)
crimes
contra a lei
orçamentária;
(b)
crimes
contra a probidade na administração.
Todavia,
os crimes imputados à
presidenta não se sustentam, principalmente quanto à
existência de
dolo. Por fim, a lei 1.079/1950, no que concerne à
pedala fiscal, não é clara, deixando para analogia sua definição
legal. A verdade é que o pedido de impeachment é um instituto
político,
disfarçado por uma narrativa jurídica para assegurar sua
legitimidade. Portanto,
é questionável a legitimidade política e a conformidade jurídica
do processo pelo qual se imputou à presidenta o cometimento de
crime de responsabilidade. Ainda que fosse uma questão meramente
jurídica, não haveria problema algum para que a legalidade fosse
atropelada e a constituição rasgada.
Em
1961, por exemplo, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, a
Constituição da época (1946) previa claramente que em caso de
morte, ausência ou renúncia do presidente, assumiria imediatamente
o vice-presidente. O vice de Jânio era João Goulart!
Ocorre
que João Goulart encontrava-se no oriente
em viagem oficial. A partir daí foi operacionalizada uma tentativa
de golpe
para impedir a posse de João Goulart. Seus principais articuladores
eram os ministros militares, General
Odílio
Denys, Brigadeiro Gabriel Grün
Moss, Almirante Sylvio Heck e o Presidente da Câmara dos Deputados,
Ranieri Mazzilli. Assim,
em 2 de setembro de 1961, para impedir a posse de João Goulart,
militares, senadores e deputados federais rapidamente aprovaram a
Emenda Constitucional nº4, instituindo o parlamentarismo no Brasil e
retirando os poderes do Presidente João Goulart, que passou a
compartilhá-lo com um conselho de ministros.
O
debate e aprovação no Senado e na Câmara da Emenda Constitucional
que instituía o parlamentarismo foram rápidos e duraram apenas dois
dias. O fim das movimentações golpistas-institucionais iniciadas em
1961 terminaram em 1964 com o golpe militar.
Portanto,
não há problema algum para as instituições, entre elas o próprio
Superior Tribunal Federal (STF), rasgarem a Constituição, de modo
que hoje, em meio à crise política instalada desde a posse do
segundo mandado de Dilma, as movimentações, sujeitos e narrativas
são as mesmas de 1961. Mais uma vez a história se repete, a
primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.
O
novo Ministro
da Justiça
O
novo presidente interino Michel Temer dá importantes indicativos no
que tange aos Direitos Humanos: desde a extinção do Ministério das
Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, agora
incorporado ao novo Ministério de Justiça e Cidadania, até a
nomeação do novo Ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes. Essas iniciativas de Temer não
dão segurança alguma para os que prezam pelos Direitos Humanos.
O
novo Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, por exemplo,
no último ato como secretário de Segurança Pública de São Paulo,
autorizou a invasão do Centro Escolar Paula Souza pela Polícia
Militar sem mandado, desrespeitando um acordo judicial e sem a
presença de representantes do Conselho Tutelar, descumprindo,
portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Além
disso, Alexandre de
Moraes,
durante o comando da
Secretaria
de Segurança
Pública
e da PM de São Paulo sempre demostrou uma postura parcial. Como
exemplo, houve o caso da ocupação na Avenida Paulista, quando a PM
protegeu os acampados que defendiam o impeachment, mas atacou
movimentos contra o impeachment no MASP; ou ainda quando a PM
protegeu os estudantes pró-impeachment do Mackenzie e lançou bombas
e bala de borracha contra estudantes da PUC contrários ao
impeachment. Sem falar das várias
ações violentas da PM/SP contra os movimentos sociais em geral e em
particular o MTST e o MPL.
No
discurso de posse, o novo Ministro da Justiça defendeu o uso de
balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio e efeito moral contra
multidões e enfatizou que combaterá ações que interditarem vias
públicas.
Não
obstante, o fechamento de vias públicas durante manifestações, no
âmbito do Direito Internacional, não é reconhecido como um motivo
legítimo para restringir o direito de protesto, haja vista que um
dos objetivos do protesto, por óbvio, é justamente chamar atenção
da população sobre suas pautas e bandeiras.
Desse
modo, as declarações do novo Ministro Alexandre de Moraes, ignoram
diversos tratados internacionais que versam sobre o direito de
protesto em que o Brasil é signatário.
Por
outro lado, a nomeação de Alexandre de Moraes como Ministro da
Justiça e Cidadania, já mostra as pretensões do presidente
interino Michel Temer no que toca ao diálogo com os movimentos
populares e sociais, bem como o apreço do novo governo pelo
desrespeito aos Direitos Humanos.
Retrocesso
aos Direitos Civis
As
mudanças politicas inegavelmente trarão impactos negativos nas
instituições democráticas e nos Direitos Humanos, de modo que o
novo governo de Michel Temer já indica iniciativas que sob o
pretexto de combater a crise tem na verdade como objetivo atacar
diversos direitos trabalhistas e civis.
Dentre
os retrocessos no âmbito dos Direitos Humanos existe toda uma pauta
no Congresso que, agora com o novo governo, dá sinais de tramitação
acelerada.
De
imediato, é iminente o risco da redução da maioridade penal e do
aumento do tempo de internação, já que a composição do Congresso
Nacional favorece os setores que defendem o endurecimento do sistema
punitivo. Além do mais, o novo governo tem apreço por uma política
criminal que desrespeita Direitos Humanos.
Em
consonância com a política criminal defendida por Alexandre de
Moraes, que afronta os Direitos Humanos, temos como exemplo o Projeto
de Decreto Legislativo nº317/2016 do Deputado Federal Eduardo
Bolsonaro por São Paulo, que em apertada síntese defende o fim da
audiência de custódia.
A
audiência de custódia foi instituída pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) em 2015 em consonância com Tratados Internacionais de
Direitos Humanos. A audiência de custódia,
em suma, determina que em 24
horas após a prisão, o suspeito deve ser ouvido por um juiz
de Direito a fim de averiguar a legalidade da prisão, bem como se o
suspeito sofreu possíveis torturas durante a detenção.
Apesar
de necessitar de melhoras, a audiência de custódia representa um
significativo avanço. Mas a bancada da bala e a família Bolsonaro
quer dar um fim a essa importante iniciativa.
Outra
proposta que, se
aprovada, representará um retrocesso é a
do Estatuto da Família, que
define
a
família como o núcleo formado a partir da união entre homem e
mulher por meio de casamento, união estável ou comunidade formada
pelos pais e seus descendentes. Com o novo governo Michel Temer o
sinal de alerta está aceso para os defensores dos Direitos
Humanos.
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Imagem de audiência de custódia. Este instituto jurídico está agora ameaçado.
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