Ensaio
Recebido
em 08 de novembro de 2015
Por
Gutemberg Miranda, que é graduado em Filosofia pela UFPE e
leciona na UFAL.
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Tela do escritor e poeta Jorge Luis Borges |
Borges
dizia que a sensação visual advinda de sua cegueira em nada se
comparava à escuridão. Ao contrário, reflexos de várias
tonalidades, cores fortes embaçavam e acompanhavam o ofuscamento de
sua visão. Os desencantos políticos, amorosos e, por fim, a perda
da visão, deixaram marcas profundas no ser humano Jorge Luis Borges.
Em seu livro de poesia O outro, o mesmo é nítida a
referência a Heráclito, pré-socrático conhecido como o obscuro.
Ao remeter-se ao pai da dialética, não estaria Borges reconhecendo
o próprio estigma da obscuridade? Tal consciência, tal sinceridade,
não seria um acerto de contas de Borges com a posteridade, já que o
passado não pode ser refeito?
A
biografia escrita por Edwin Williamson, Borges, uma vida,
revela detalhadamente os sofrimentos do jovem Borges em relação aos
amores e à política. O próprio Borges tenta se redimir de seu
apoio à ditadura argentina evocando sua situação de saúde, que
não lhe permitia ter acesso aos jornais e acompanhar de perto o
cotidiano político. Mas basta conhecer um pouco a obra de Borges
para não nos iludirmos com suas desculpas. Ele era um discípulo de
Nietzsche e Schopenhauer, um romântico anti-iluminista defensor do
conservadorismo político e contrário aos ideais libertários. Mesmo
assim, autores com García Márquez e Cortázar o admiravam bastante
e tinham nele uma referência literária de primeiro plano.
Borges
assume que se arrepende de apoiar os militares argentinos,
assina um manifestos em solidariedade aos parentes de presos
políticos e escolhe Genebra como autoexílio para esquecer os
traumas vividos em Buenos Aires. Talvez ele realmente tenha sido um
obscuro. Não nos cabe aqui condenar Borges; mas ele tinha plena
consciência de suas contradições, deixando-nos vestígios para
compreendê-las. Antes de perder a visão, o amor parece ter cegado
Borges. As paixões políticas e os debates estéticos também
revelam o traço febril de sua personalidade, tanto marcada pelo
elitismo cultural. Ele era chamado de o acadêmico mesmo sem nunca
ter frequentado estabelecimentos formais de ensino. Tinha pelo apreço
aos arrabaldes da capital, onde apreciava as milongas e os tangos.
Não
é possível compreender a visão política de Borges sem
reconhecermos que o acaso, os sonhos, a tragédia pessoal e os
desencontros o conduziram para o extremismo político. Talvez toda a
obra de Borges seja um grito contra os desencantos, uma fuga
desesperada da realidade, algo que nenhum vanguardista ou modernista
conseguiu realizar como ele.
Não tomar a vida concreta de um homem para compreender sua visão
política é um grande erro para os críticos da cultura. Não
obstante, Marx reconhecia a grandeza de Balzac, mesmo discordando de
seus posicionamentos políticos. Borges foi um grande escritor porque
revelou as profundezas dilaceradas da alma humana. A
cada mergulho que Borges realizava no abismo, nos contava um pouco
como era sofrer e penar sem esperança. Por maior que seja sua
alienação política, encontramos em Borges um sincero escritor que
não ocultou seus dramas, suas tragédias e que não teve vergonha de
se arrepender de
seus erros políticos, erros que ele próprio atribuiu à sua
cegueira: “Toscas nuvens cor de borra de vinho aviltarão o céu;
amanhecerá
em minhas pálpebras apertadas”.
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Uma das edições de 'Ficções', de 1944
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Prezado Gutemberg, saudações. Umberto Eco na sua obra monumental: "O Nome da Rosa", apresenta um personagem enigmático. Trata-se dum monge sábio e cego conhecedor da quarta poética (?) de Aristóteles. Texto, se existiu, esquecido nas brumas do tempo. Tal escrito do professor de Alexandre "O Grande", versaria loas a respeito da alegria do viver em contraponto com a rigidez religiosa daquelas priscas eras. Jorge Luís Borges, mestre no estilo: "Realidade Fantástica", dono de dores abismais, teria inspirado Umberto Eco no seu colossal personagem: Venerável Jorge.
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