Ensaio
[*]
Recebido
em 18 de março de 2016
Por
Armando Rodrigues Coelho Neto, é delegado aposentado da
Polícia Federal e jornalista.
![]() |
O juiz federal Sérgio Moro com João Dória Jr, pré-candidato
à prefeitura de São Paulo pelo PSDB
|
Parem
a Lava Jato! Vamos todos para o tanque. Vamos lavar peça por peça,
tirar mancha por mancha e até, quem sabe, tentar ver de onde vem e
como começou a sujeira. Afinal, posso imaginar que por US$ 100
milhões, nos quais figura como aparente beneficiada a gestão do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é possível retomar o mote
de Aécio Neves durante campanha presidencial de 2014: “Vamos
conversar?” Por um descuido qualquer, seja da
Polícia ou Justiça Federal, quem sabe do Ministério Público
Federal, furou a “seletividade de vazamento”. Não deu mais pra
segurar, o que, aliás, nunca foi novidade: a corrupção na
Petrobras é antiga, antecede a gestão petista e, Paulo Francis que
o diga, sabe-se lá como, ainda que por psicografia.
Agora, e não tão agora assim, que
pelo menos temos uma cifra, quem sabe será possível conversar sobre
corrupção sem que nos acusem de estar defendendo ladrões; sem que
nossos opositores nos mandem para Cuba, o que aliás nunca foi má
ideia – dizem que Cuba é linda! Uma conversa com menos rótulos,
onde termos como bolivariano, venezuelização, lulo-petismo,
comunização fiquem fora do debate.
Agora, quem sabe, fique claro que
não existe combate à corrupção. Existe guerra contra o Partido
dos Trabalhadores, por razões que não podemos especular, posto que
vão desde bravatas sobre o tal “Fórum de São Paulo” à
tentativa de transformar o Brasil numa Venezuela. Percorrem a trilha
do quem roubou mais ou menos (quando se admite que antes se roubava).
Aliás, sempre causou perplexidade ouvir que a “corrupção passou
de todos os limites”, sem que alguém explique esse limite
supostamente aceitável.
Quem sabe eu possa explicar que não
sou filiado ao PT, que tenho severas críticas à sigla, ainda que de
há muito tenha reconhecido na legenda a única força política
organizada capaz de enfrentar a cultura vira-lata e entreguista das
supostas elites brasileiras. Aliás, uma elite que namora e financia
forças políticas que saqueiam alguns estados brasileiros há
décadas. A propósito, saques sem investigações, denúncias,
cobertura da dita “grande mídia” – que de grande só tem mesmo
o poder de enganar, de manipular.
Dito isso, recorro ao mais alienado
dos chavões políticos para dizer que, agora que sabemos “que é
tudo farinha do mesmo saco”, quem sabe possa ser possível
aprofundar o debate, sem fulanizar, sem partidarizar, sem reverberar
o cinismo dos jornalões, dos panfletos políticos disfarçados de
revistas ou das criminosas vozes difundidas por emissoras de rádio e
televisão de significativa audiência.
“Vamos
conversar?”
Permitam-me,
pois, ser repetitivo nos bordões: “bolivarismo, venezuelização,
lulopetismo, comunização, nunca se roubou tanto, a corrupção
passou dos limites”. Tudo bem. Ouvir ou ler isso de pessoas sem
formação escolar, de pessoas sem educação doméstica,
desapetrechada de educação formal qualquer é tolerável. Que tais
chavões partam de políticos entreguistas oportunistas, armados para
retomar as rédeas da nação para pôr em prática seus projetos
pessoais, também é incômodo, mas aceitável. Do mesmo modo, seria
ou é suportável digerir a leitura distorcida dos veículos de
comunicação, cujos donos vivem atrelados a interesses
inconfessáveis. Do mesmo benefício gozam os jornalistas que se
venderam por alguns dólares para fomentar a discórdia e disseminar
ódio.
O que nos incomoda é quando esses
chavões reverberam dentro da Polícia Federal, Ministério Público
Federal, Justiça Federal, entre outros. Sejamos econômicos na
lista. Causa perplexidade a precariedade de visão reinante em parte
dos integrantes dessas instituições, pois além de não
especificarem o limite da corrupção e/ou violência, ficam a
reverberar que tais anomalias “passaram dos limites”,
disseminando às turras os chavões de políticos ladrões não
investigados ou “não investigáveis” (blindados).
Costumo dizer que o Partido dos
Trabalhadores ganhou eleições sem nunca ter chegado ao poder.
Reservo-me a visão de que quem tem poder, pode. Ganhar o direito de
gerir normas (escritas, não escritas, com “por foras” e
ressalvas) preestabelecidas num país, sem poder nada transformar,
não é poder. Portanto, o poder está nas mãos de quem sempre
esteve. No caso, o capital nacional e estrangeiro que financiou a
campanha do gestor de plantão. O resto é acreditar em capitalismo
samaritano.
Nos doze anos de gestão petista, o
partido não conseguiu fazer uma reforma tributária; não conseguiu
fazer uma reforma política; não conseguiu fazer uma significativa
reforma no ensino; não conseguiu tributar grandes fortunas; não
conseguiu regulamentar de forma livre e democrática os pequenos
veículos de comunicação – tratados vergonhosamente por
“piratas”; não conseguiu fazer o básico que é a democratização
dos meios de comunicação – no mínimo a exemplo das que existe
nos Estados Unidos, Inglaterra, Dinamarca, Japão e até Argentina.
Pois bem. Como que um partido que
não fez sequer isso, pode transformar, por decreto, o Brasil num
país comunista? Como poderia transformar o Brasil numa Cuba ou
Venezuela por simples decreto? Como poderia fazer isso, tendo
instituições como o Exército, cujas escolas de formação são
regidas por ideias medievais? Um simples exame dos currículos das
Escolas Superiores de Guerra ou suas congêneres como Associações
de Diplomados da Escola Superior de Guerra revela quão conservadores
são seus princípios. Como poderia isso acontecer diante do poder de
entidades igualmente medievais (até nos ritos) como as Lojas
Maçônicas? Como fazer isso numa sociedade cuja “elite” não
assimilou a Lei Áurea e reclama das migalhas capitais jogadas aos
miseráveis? Sem contar com as entidades ligadas a entidades da
indústria e do comércio (…). Também aqui, é conveniente
encurtar a lista.
Entretanto, respeitadas as exceções,
integrantes da Polícia Federal, Ministério Público, Justiça
Federal repetem como qualquer ser precariamente informado o refrão
“bolivariano”, termo aqui empregado como sinônimo dos demais
“mantras da desinformação ou do golpismo”. No caso específico
da Polícia Federal, exaustivas vezes ouviu-se falar do aparelhamento
da instituição, sem que um único cargo expressivo fosse ocupado
por qualquer petista até a presente data.
Na condição de operador do
Direito, certamente dos menos preparados, devo limitar-me a
obviedades do gênero: “o atentado de 11 de setembro/2001 nos
Estados Unidos mudou o mundo”. Mas, desde então, a indiferença
para com os paraísos fiscais era gritante. Eram responsáveis não
apenas pela guarda do dinheiro do tráfico, sonegação, contrabando,
corrupção, mas também o dinheiro que financiava aquilo que os
financiadores das mais sangrentas guerras do mundo chamam de
terrorismo. E foi daí que a leitura mudou: hoje, até bancos da
Suíça estariam notificando seus clientes “sem nome”, de que não
têm mais interesse “nesse tipo de conta”. A recente lei de
repatriação de capitais, sancionada pela Presidência da República
fala por si.
Um pouco antes, sabe-se, em que pese
criada em 1948, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) foi reformulada em 1961. Tinha princípios
rigorosos, mas queixou-se mais tarde de que, até 1998, apenas 14
países seus associados negavam a possibilidade de dedução de
impostos relacionados ao suborno de autoridades em diversos países.
Leia-se, suborno pago a países como o Brasil eram deduzidos do
imposto de renda. A Alemanha, por exemplo, por duras penas, só
interrompeu a prática em 1999.
Até onde se sabe, a Alemanha é
grande parceira econômica do Brasil e tem aqui larga prática
comercial. Sem alongar a lista, países como Suécia não permitiam a
dedução no imposto de renda, mas aceitavam tais despesas desde que
a corrupção fosse prática institucional no país. Enquanto isso, o
Japão aceitava essas mesmas despesas, desde que figurassem como
“gastos de viagens”. A rigor, o Brasil era, do ponto de vista
econômico, atrelado a um bloco de países corruptores e isso era
“consenso”, consentido, tolerado. Havia corruptores e não havia
corruptos. E quem eram os governantes de até então?
Aceitemos, pois, que os operadores
do direito da PF, MPF e JF, ainda que ignorassem o jargão de que “a
corrupção no Brasil é endêmica”, não tivessem conhecimento
desse consenso global, nem conseguissem cruzar dados e constatar que
comunismo não se faz por decreto. Por desconhecerem a realidade, por
partidarismo(?), repetiam os mantras da ignorância e do oportunismo
político. Pelo mesmo motivo, no caso especial a PF, alguns delegados
sobem em palanques de manifestações para alardear a suposta
corrupção inusitada. Outros passaram a usar as redes sociais para
postagens agressivas contra a presidenta Dilma Rousseff. A propósito,
o jornal Estado de S. Paulo chegou a acusar delegados federais
de fazer comitê eletrônico contra a então candidata.
Nessa trilha, sendo igualmente
generoso, aceitemos que integrantes da PF, MPF e JF também
desconheçam que os principais instrumentos de combate à corrupção,
entre eles o Portal da Transparência e a Controladoria Geral da
União foram criadas nos doze últimos anos.
O grande problema é aceitar que
esses operadores do Direito ignorem a autoria da Lei nº 12.850
(Colaboração Premiada, tratada pela mídia como “delação”)
editada em 2013. Que além dessa norma, foram aprovadas as Leis
12.403/2011, 12.683/2012, 12.694/2012, 12.737/2012, 12.830/2013,
12.855/2013, 12.878/2013, 12.961/2014, Lei Complementar 144/2014,
13.047/ 2014. Tratam-se de normas que deram outra dinâmica ao
combate à corrupção e, de forma especial, fortaleceram a PF, que
teve até alguns “mimos”. Serve de exemplo o afago ao ego dos
delegados federais, que por lei passaram a serem tratados por
excelência. As policiais tiveram a aposentadoria reduzida e o
comando da instituição tornou-se privativo do cargo de delegado
federal.
Colocados
esses pontos, tomando por referência os apregoados US$ 100 milhões
pró-governo FHC, quem sabe dá pra conversar, sem que digam que
estou defendendo a corrupção ou que sou comunista. De todo modo,
que fique claro: quero passear em Cuba e visitar a Venezuela, pois
segundo a Wikipédia, a terra de Chávez tem mulheres lindíssimas e
já conquistou sete vezes o concurso de Miss Universo.
[*]
Publicado originalmente em
http://jornalggn.com.br/noticia/pra-nao-dizer-que-nao-falei-do-moro-por-armando-r-coelho-neto
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João Dória Jr e Aécio Neves (PSDB) |
Grato por ajudar na divulgação. As contradições do momento tem levado até mesmo Operadores do Direito a repetirem o discurso da dita "grande imprensa", ainda que sobre fatos que eles têm a obrigação de saber.
ResponderExcluirNo mais, quero registrar que esse texto foi inspirado em um outro que originariamente veiculei nesse espaço. Trata-se de adendo necessário, tendo em vista que a administração do blog consignou ser texto originariamente veiculado no GGN.
Uma dúzia de famílias poderosas com seus coronéis e capatazes, um congresso pífio e oportunista, uma impressa comprometida, a justiça politizada, as elites nas ruas: eis a orquestração do golpe. Perdão, não há golpe... O poder sempre a eles pertenceu; apenas, o querem de volta. Concordo, prezado Armando, o PT tentou conciliar, mas, de fato, nunca chegou ao poder. Fazer o quê? Novamente... Resistir.
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