Ensaio
Recebido
em 15 de fevereiro de 2015
Por
Renato K. Silva, doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.
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Elba Ramalho na última noite do carnaval recifense,
no palco do Marco Zero
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"Se
a única coisa de que o homem terá certeza é a morte;
a
única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano".
[Graciliano
Ramos]
Não
é de hoje que uma dúzia de frevos sustenta o carnaval de Olinda e
Recife. Na última terça-feira de carnaval, do ano corrente, na
apresentação de Elba Ramalho, no Marco Zero, houve um ponto de
inflexão no maior palco da folia recifense: Elba tocou dois axés de
Ivete Sangalo e a plateia foi ao delírio. A cantora paraibana
misturou axé com frevo e isso não passou despercebido para muita
gente que, inclusive, afirmou que o Marco Zero estava parecendo o
Circuito Barra-Ondina. Exagero. A recepção calorosa do público ao
axé demonstra que não é de agora que há fissuras no gênero, por
excelência, do carnaval pernambucano, o frevo, e que este está cada
vez mais permeável, ou melhor, perdendo espaço para ritmos musicais
alienígenas – axé, samba, eletrônico, funk, sertanejo
universitário, etc.
Não vejo problema nenhum na mistura
dos elementos sonoros, até por que a propaganda do “Carnaval
Multicultural”, empreendida nas administrações petistas, formatou
um certo jeito de entendermos a nossa maior festa popular, assim como
a nossa tradição sincrética no tocante às experimentações e
hibridizações com culturas congraçadas em nossa terra. O que seria
dos nossos ritmos musicais sem a livre permissividade que,
historicamente, encampou suas lutas no pluralismo cultural?
Certamente não teríamos a complexidade e a sofisticação que temos
hoje.
Pois bem, o argumento central deste
texto é o seguinte: o frevo vive há anos em um paradoxo – é um
ritmo musical, orgulho do povo pernambucano, mas, ao mesmo tempo, tem
sua longevidade amplamente tributada à subvenção governamental,
seja ela no mecenato público ou na regulamentação de executarem-no
exclusivamente nas ladeiras de Olinda, por exemplo, na época do
carnaval. Isto é, não fossem os recursos governamentais, as
regulamentações e as execuções sazonais sobretudo no período
momesco, provavelmente o frevo já teria virado um epifenômeno.
É estranho observar como um ritmo
musical centenário, como é o caso do frevo, precise de
regulamentações e subvenções governamentais para continuar a
existir quando há, de fato, uma solícita recepção, não apenas
por parte dos turistas, como também do próprio povo pernambucano.
Público há, faltam as condições materiais e simbólicas, para
além dos incentivos governamentais, para que o frevo possa se
perpetuar de maneira vigorosa, e não ser uma expressão musical
moribunda tendo apenas sobrevida na época do carnaval.
Vejamos o exemplo do samba, que este
ano está chegando ao seu centenário. O samba está vivíssimo se
comparado ao frevo, e por quê? Não entrarei nem no tema da
estratégia que as administrações sobretudo varguistas imprimiram
para alçar o samba como ritmo musical por excelência da identidade
brasileira, que fez o samba sair do cadinho regional para o nacional.
A certa altura, o samba e o frevo,
até meados das décadas de 1970-80, tinham o mesmo modus operandi no
que se refere à distribuição dos seus lançamentos: os sambas e os
frevos novos eram prensados – discos – por volta de novembro e
dezembro; quando chegava fevereiro, eles já estavam na boca do povo.
O samba ainda mantém relativamente
a mesma estratégia, sobretudo nos sambas-enredos das Escolas do
Grupo Especial que tem seus temas gravados em discos e distribuídos
meses antes do carnaval, [sendo] executados nas rádios cariocas e
fluminenses. Já o frevo perdeu-se nas formas tradicionais de
distribuição – discos –, especialmente com o fechamento da
lendária e única grande fábrica de discos fora do Eixo Rio-São
Paulo, a Rozenblit, localizada na Estrada dos Remédios, Afogados
[Recife/PE], e que fora fechada em 1984 devido à ampla concorrência
das multinacionais do setor e das sucessivas enchentes que destruíram
os equipamentos da fábrica inúmeras vezes.
A Rozenblit era responsável não só
pelas gravações dos novos frevos, como também de boa parte dos
demais ritmos musicais pernambucanos: coco, maracatu, baião,
ciranda, (…). Com o fim da fábrica, o frevo não tinha mais como
escoar seus novos sucessos às vésperas dos carnavais. Não é
estranho observamos que parte significativa dos frevos que ainda
ouvimos venham do período da Rozenblit.
Talvez o maior inimigo do frevo seja
o fato de não estar em cena, isto é, o frevo não é executado nas
rádios tampouco aparece na televisão fora dos festejos de momo. O
principal ritmo musical pernambucano é alienado de sua população
por conta de uma prática a qual todos fazem vista grossa: o “jabá”.
O “jabá” significa o mecenato
privado (pagamento) que um empresário faz para uma Rádio X, para
que esta rádio execute as músicas de seu artista. É por isso que
quando você navega com o 'dial'
de seu rádio sente um “ar” de familiaridade nas estações, ou
um déjà vu, pois todas executam o mesmo grupo de artistas e
os mesmos ritmos musicais. Faça um teste: ligue agora o rádio numa
FM qualquer e, certamente, estará em execução um axé ou um
sertanejo universitário.
A prática do “jabá” não é
solitária; junto com ela está a indústria cultural
que, não se enganem, é uma instância altamente econômica e
política, trabalha em sistema, rede e de uma maneira racionalizada.
Como exemplo, vejamos o caso do samba. Falamos que antes do carnaval
o público na Marquês de Sapucaí já está com os sambas-enredos na
ponta da língua; pois bem, além disso, os sambas são tocados nas
novelas ou nas vinhetas da Globo; distribuídos por meio do selo 'Som
Livre'; nos sistemas de rádio; nas propagandas tanto da iniciativa
privada quanto pública e, tudo isso, numa lógica racionalizada:
maximizando os lucros e minimizando as perdas na razão – os fins
comerciais justificam-se por si próprios.
Voltando para o tema do paradoxo, o
frevo encontra-se encalacrado num dilema cujas autoridades não
conseguem achar termo: deve continuar subvencionando com iniciativas
como o 'Paço do Frevo', por exemplo, enquanto o mesmo não é
veiculado nas rádios; na programação das tevês locais; num
circuito de atrações para além do carnaval, etc. Qual a
alternativa para fazer do frevo um ritmo musical perene o ano todo?
Bem, pesa contra o frevo o seu alto
custo de execução; não dá pra fazer um “frevo fundo de
quintal”. Uma reles fanfarra exige mais músicos do que qualquer
grupo de brega, por exemplo. Além disso, o frevo é um ritmo que
exige um grau razoável de virtuosismo e preparo físico, sobretudo
respiratório.
Outra coisa: não é por que não
haja renovação no ritmo. Há, sim. O problema é que os novos
frevos não são executados nos meios de comunicação de massas
nacionais, tampouco pernambucanos. Não há espaços que os veiculem
dentro do circuito comercial. Restando apenas as rádios
universitárias ou públicas, ou seja, mais uma vez os espaços
subvencionados. Sem contar a nossa conveniência de não ir atrás
das novidades. Todos os anos ficamos descendo e subindo as ladeiras,
ou no Centro do Recife, cantando a mesma dúzia de frevos.
Compositores de frevo, como Getúlio Cavalcanti, afirmam que todos os
anos compõem novos frevos, porém eles não são veiculados,
tampouco há apelo para que eles toquem os trabalhos recentes. Fica
todo mundo pedindo: "canta O último regresso!".
Talvez uma saída para o frevo seja
apresentá-lo às novas gerações. E esse exercício deve ser feito
a partir das escolas municipais, que possuem estruturas físicas
razoáveis, por exemplo. Para tanto, dar aulas de percepção musical
com ênfase no frevo, e também de dança, com especial interesse no
ritmo, que é uma dança popular fisicamente plástica, e que
ajudaria também na educação física.
Dando continuidade, seria
interessante criar um circuito para o frevo além do subvencionado
pelo mecenato público. Ou seja, vide o brega e seus correlatos
[tecnobrega, brega-funk, etc.] que começaram galvanizando os
programas de auditório local no início dos anos 2000; estes
recebiam caravanas de escolas públicas. Por conseguinte, os
programas construíram um público, de início, nas periferias, e
hoje, alastrado por toda a cidade. Basta observar o brega
chique-andrógino classe média de um Johnny Hooker, ou o
brega-fuleiragem, também de classe média, de um Faringes da
Paixão.
Como espaços para escoar a produção
do brega local, vejamos o exemplo do bairro de Jardim São Paulo. Há
nele, hoje, três casas noturnas que tocam, quase exclusivamente,
brega e seus desdobramentos. O brega é um exemplo de uma música que
conseguiu consolidar-se por si mesma, firmando um circuito, aqui em
Recife, com seus agentes destituídos dos aportes tradicionais da
indústria cultural (sistema, rede,
racionalização); esta, que ajudou tanto o samba quanto mais
recentemente o funk, no Rio; tampouco o brega tem subvenções
governamentais, como tem o frevo, tanto na capital quanto no
interior.
Talvez o caminho que o frevo precise
trilhar esteja no exemplo do brega, que começou se permitindo às
influências de outros ritmos, depois partiu para a luta de
conquistar seu público e seus meios de distribuição – casas
noturnas, programas de tevê, rádios, camelôs comercializando CDs
piratas, etc. Precisamos de mais Spoks, Maestros Forró
e outros para oxigenar o frevo e, acima de tudo, precisamos cobrar
mais políticas públicas que façam o frevo, futuramente, não
precisar mais destas. Do contrário, o frevo continuará com sua
existência tal o refrão de 'Pagode Russo', de Luiz Gonzaga e
João Silva: “Parecia até um frevo naquele vai ou não
vai”.
Sim. Falta muito. Falta sobretudo uma politica cultural e ainda uma modernização com menos instrumentos para popularização. As grandes orquestras ficariam para um determinado tipo de frevo. O samba adquiriu vários nomes/variações. O frevo também, mas precisa sair do Parabéns pra você, Hino Nacional, Noite Feliz e Adeus Ano Velho, cantado em situações específicas.
ResponderExcluirSíntese perfeita, para o problema do frevo não ser tocado, só vejo coerências nesse texto.
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