Ensaio
Recebido
em 03 de janeiro de 2016
Por
Leal de Campos, militante socialista, ex-preso político e
economista.
Ao monopolizar o espaço de legitimidade política, o populismo tem expressado nas suas incongruências, tanto à direita quanto à esquerda, um inconveniente viés autoritário em variadas circunstâncias. Entretanto, os populistas apostam na crença de que são moralmente superiores e encarnam os ideais mais elevados de “servir ao seu povo” tutelado. E desse modo, em nome deste “legítimo poder” imaginário, quase mítico, pretendem alcançar uma total unanimidade e se recusam a aceitar questionamentos à sua política de caráter conciliador e supostamente popular.
No presente, o populismo está submetido ao jogo “democrático” do tal Estado de Direito, o que o obriga a tolerar mais pluralismo do que pretenda vivenciar e, por conseguinte, ter que competir e correr o risco de ser derrotado em qualquer eleição, que venha contestar os ditos “avanços” que propaga. Já não é necessário acionar os dispositivos militares para anular pela força um discursivo “programa de governo popular” desde que os populistas se comprometem com a conciliação entre o Capital e o Trabalho, ainda que remota, onde todos saem ganhando. A burguesia hoje percebe e aceita esta providencial concordância, preocupando-se agora em trocar por vias institucionais, quando necessário, os seus prepostos em nome da “eficiência” de gerenciamento da gestão pública, ou proporcionando a realização de eleições periódicas que venham justificar a rotatividade do modo de governar como se isto fosse uma verdadeira “mudança” de poder.
Com
certeza, sabe-se que é uma deslavada mentira que todos são
favorecidos posto que a riqueza gerada pelo trabalho produtivo sempre
se concentra cada vez mais nas mãos de poucos e, principalmente, nas
dos grupos econômicos e financeiros que controlam a economia.
Enquanto isto, a tão propalada “distribuição de renda”
representa apenas algumas migalhas passadas aos despossuídos em
ações ilusórias, que são encobertadas por um discurso de
aparência empreendedora e calcado na “possibilidade” de se
reformar o Capitalismo para colocá-lo a “serviço” de toda a
população num inverossímil passe de mágica.
A
realidade é que, independentemente da implantação de programas
sociais liberais e do tipo de governo que esteja de plantão, a
pobreza se reduziu por toda a América Latina através de uma
variável
recomposição da renda. E isto também vale para a desigualdade que
tem decrescido em todas as partes da região, em condições mais ou
menos razoáveis. Não obstante, o regime socioeconômico vigente não
tem as mínimas condições de vir a solucionar as suas próprias
contradições e muito menos beneficiar a todos os segmentos sociais,
principalmente os que são mais pobres e detentores de uma
vulnerabilidade crônica, sistêmica.
De
outro lado, alguns conhecidos agrupamentos (que ainda se dizem) de
esquerda, mas atrelados às experiências do populismo, continuam
insistindo que é possível
sim operar um projeto de “desenvolvimento” nacional e ir, aos
poucos, conquistando espaços relacionados com o exercício da
cidadania e garantia dos direitos individuais, sem modificar
estruturas. Que assim seja, porém achar que isso seja suficiente é
um aspecto a ser firmemente questionado, pois sem uma proposta clara
e definida pela
transformação
social que vislumbre a edificação de uma nova sociedade, nada
poderá se concretizar de fato neste sentido. Por isso que a falta de
reformas estruturais, ou a impossibilidade de realizá-las na
prática, tendo por suporte uma aliança com os setores
conservadores, determina a amplitude e o grau do impasse político
que se estabelece sempre. E mesmo que se introduza um “sentido
social” aos compromissos neoliberais, mascarando-os como um
social-liberalismo funcional, nada vai eliminar os entraves que irão
persistir.
É
preciso, todavia, esclarecer que o Estado tem um caráter
de classe e que se coloca continuamente a favor das classes
dominantes e não da maioria da população e dos segmentos sociais
que são explorados. Este seu arcabouço institucional atua não
somente para consolidar os poderes administrativos, legislativos e
judiciais, bem como para possibilitar a plena defesa “da lei e da
ordem” em vigor, em nome dos interesses da burguesia, dos seus
colaboradores e fieis aliados. E desde que não haja situações
graves que venham colocar em xeque este domínio, os seus órgãos de
segurança não precisam ser demandados. Contudo, todas as vezes que
ocorram mobilizações críticas
de peso contra os governos em geral a repressão se faz presente para
coibir a livre expressão e as liberdades “ditas” democráticas.
Nestas ocasiões, indistintamente, governos de qualquer espécie se
utilizam destes recursos repressivos contra todos os movimentos
massivos, inclusive para criminalizá-los e processar quem deles
participa.
Com
efeito, há muito que se tenta explicitar que o populismo longe de
ser um avanço político é, antes de tudo, um tremendo
retrocesso.
Uma forma de se fazer política, baseada em barganhas e na
manipulação dos movimentos populares, bem como das uniões
estudantis e das centrais sindicais, tornando-os dependentes.
Procedimento este que induz ao estabelecimento de uma liderança
carismática “disposta a atender os anseios” do povo, ao mesmo
tempo em que negocia com os capitalistas e seus prepostos, sem a
menor cerimônia. Mas, no final de contas, não são todos eles
considerados patriotas,
nacionalistas
e progressistas?
Ora, a bem da verdade, isto não tem a ver com a classe trabalhadora
e os demais excluídos, visto que a tão lardeada “pátria” é só
dos patrões, embora usada com frequência para escamotear
a realidade como um “símbolo de união” que se coloca acima de
tudo.
Em
contraposição, essencial se faz, destarte, promover a
conscientização
política e estimular a organização
autônoma e independente a partir das bases, no sentido de se
viabilizar exequíveis meios para a superação do populismo através
do fortalecimento da luta anticapitalista. Isto é, não somente
contra a “volta” da direita.
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