Ensaio
Recebido em 04 de dezembro de 2015
Por Michel
Zaidan Filho, filósofo,
historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de
Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da
Democracia - NEEPD/UFPE.
A imprensa chapa branca do Estado de
Pernambuco (lembrar que o PSB comprou o Diário
de Pernambuco) está lançando o nome do senhor Paulo Henrique Saraiva Câmara
ao prêmio de “personalidade política do ano”. Se fosse de dono de jardim ou
ajardinador de Gabinete, não tenho a menor dúvida de que seria um forte
candidato. Mas, convenhamos, “personalidade política do ano”, é um pouco
demais. Se estivéssemos na Primeira República e em meio a uma cruzada contra a
febre amarela, talvez pudéssemos conferir ao senhor governador o prêmio Oswaldo Cruz, em sua batalha
encarniçada contra os mosquitos. Mas essa etapa (a “belle époque”) já se foi. O Brasil se civilizou, os turistas continuaram
vindo ao nosso belo país, e as epidemias prosperaram. Se Oswaldo Cruz pudesse
ressuscitar, constataria melancolicamente que a higiene pública fracassou no
Brasil, apesar de sua heroica campanha, porque as políticas públicas e as
campanhas de profilaxia que deveriam ser patrocinadas pelo Estado e que ganham
materialidade através do tratamento de resíduos sólidos jogados nas redes de
esgoto urbano, no calçamento das vias públicas, no tratamento da água potável,
na educação ambiental, nos lixões e aterros sanitários etc., não são
realizadas. Só quando um surto epidêmico desse ou daquele vírus ou bactéria
toma as páginas dos jornais e as imagens da TV, corre o responsável pela
administração pública para tomar “as devidas providências” de educação
sanitária e de combate ao mosquito transmissor. Enquanto isso, as estatísticas
da morbidez vão subindo assustadoramente e as campanhas do voluntariado (contra
os mosquitos) tomam conta dos meios de comunicação.
Numa típica operação de
inversão ou troca de responsabilidades, o gestor vira herói e a população é
responsabilizada pela propagação do vírus. A vítima torna-se réu, e o réu
torna-se o “salvador da pátria”. É o caso de perguntar: qual é a parcela de
responsabilidade do Poder Público no alastramento dessa epidemia? Sobretudo
quando o Secretário de Saúde é o Presidente do Conselho Diretor de uma Fundação
Privada (o IMIP) que vem substituindo o velho e bom SUS na prestação dos
serviços de Saúde em Pernambuco. Os grandes cientistas e pesquisadores dessa
fundação privada falam muito, mas ainda não conseguiram indicar conclusivamente
as causas virais dessa atual epidemia de microcefalia em nosso Estado (ou seja,
a relação do Zika-Vírus com a redução
do perímetro cerebral dos nascituros e a relação dessa diminuição com a doença
propriamente dita). Especula-se que estaria relacionada a um viríase chamada Zika-Vírus transmitida pelo
multipropagador de doenças, o mosquito da Dengue! Esse inimigo público (não
passível de processo judicial) do governador não é propriamente um desconhecido
da população ou das autoridades sanitárias. Pelo contrário. É um velho
conhecido que, vai-e-vem, volta a atacar e produzir estragos na população. Ora,
qualquer médico sanitarista sabe que grande parte do problema está relacionado
com o padrão de intervenção do Estado na criação de infraestrutura urbana
adequada para que as condições higiológicas dos cidadãos sejam as melhores
possíveis; sem o qual, correremos atrás dos prejuízos a vida inteira. Imagine o
cenário de um Estado e uma metrópole, onde essa infraestrutura é extremamente
precária, apesar da aglomeração urbana, o fornecimento da água é precário e a
rede de esgotos tratados é mínima como, aliás, revelou em entrevista ao Diário de Pernambuco a atual
diretora da CPRH. A limpeza dos inúmeros canais que cortam o Recife não é feita
ou demora muito a ser feita; a coleta e o armazenamento do lixo, deficitária
(onde estão os aterros sanitários?); a poluição dos cursos d’água não é
fiscalizada nem punida; e o sistema da saúde pública (já parcialmente
privatizado) é uma calamidade.
Só com o concurso de uma
imprensa sempre disposta a promover as autoridades públicas ao prêmio Nobel de Administração,
é possível transformar a vítima em réu e o réu em vítima e transferir
responsabilidades para as famílias, as comunidades e a sociedade de modo geral.
Talvez a bancada governista pudesse votar – em regime de urgência – uma lei
proibindo as mulheres de ficarem grávidas em nosso Estado. Além do controle da
natalidade, ajudaria muito ao governador não ter de lidar com o aumento
espantoso de casos de microcefalia. Mas aí, as igrejas aliadas do Chefe do Executivo
não iriam aprovar.
Enquanto no Brasil inteiro
se discute a continuidade ou não do mandato da Presidência da República e suas
graves consequências para a sociedade brasileira, em Pernambuco a discussão
política é outra: o mosquito da dengue transmite ou não transmite o Zika-Vírus? A microcefalia é com 33 ou
32 centímetros? O micro cérebro de 32 centímetros é ou não sinal da doença? E o
responsável pela Administração Pública comanda a população para o combate ao
mosquito.
Viva Oswaldo Cruz e seus bravos soldados na
luta contra as epidemias nacionais! Falta quem queira combater o vírus da
incompetência e da demagogia!
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