Recebido
em 19 de dezembro de 2015
Por
Heitor Scalambrini Costa, professor
da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE].
A partir de 2007, ano a ano, o crescimento
da geração eólica no país chama a atenção. Se há nove anos a potencia instalada
era de 667 MW, em 2015 chegou a 8.120 MW, ou seja, um aumento de 12 vezes.
Verifica-se também que vários municípios brasileiros sofreram mudanças radicais
com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida de suas populações.
Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica, o
chamado “negócio dos ventos”.
Várias são as razões que
tem atraído estes empreendimentos a nosso país. Além da crise econômica mundial
de 2008, que provocou uma capacidade ociosa na Europa, e assim equipamentos chegaram
até nós com preço vantajosos; sem dúvida a “qualidade dos ventos”, em
particular na região Nordeste é outro grande atrativo. E é neste território onde
hoje se concentra 75% de toda potencia eólica instalada no país.
Determinados Estados
criaram políticas próprias de incentivo à energia eólica, com isenções fiscais e tributárias, concessão
de subsídios, flexibilização da legislação ambiental (p. ex. Pernambuco aboliu
os estudos ambientais EIA/RIMA). Associados aos financiamentos de longo prazo do
BNDES (e mais recentemente da Caixa Econômica Federal), e ao preço irrisório da
terra, estas tem sido as razões principais para atrair os empreendedores. É o
resultado da combinação destes fatores que possibilita que a energia eólica
ofereça preços imbatíveis nos leilões realizados pela Aneel. Tornando assim à
segunda fonte energética mais barata. Esta situação esconde o fato dos custos
ambientais e sociais decorrentes da implantação dos complexos eólicos serem
altos, embora não sejam contabilizados nos "custos" da geração, pois
não são pagos pelos empreendedores, e, sim, por toda a sociedade.
Ao mesmo tempo em que esta atividade econômica teve
uma rápida expansão, gerou impactos, conflitos e injustiças socioambientais. São visíveis os impactos
provocados por esta fonte renovável, chamada por muitos de energia limpa. Define-se
por energia limpa aquela que não libera, durante seu processo de produção,
resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global.
Ou ainda, que apresenta um impacto menor sobre o ambiente do que as fontes
convencionais, como aquelas geradas pelos combustíveis.
Todavia nas “definições”
de energia limpa não são levadas em conta as questões sociais e mesmo ambientais
causados pela produção industrial da eletricidade eólica que necessita de
grandes áreas, e um volume considerável de água, devido ao alto consumo de
concreto para a construção das bases de sustentação das turbinas. Impactos sobre o uso de terras é quantificado pela
área ocupada, sendo que em geral, as turbinas eólicas ocupam 6 a 8 ha/MW, a um
custo médio de R$ 4,5 milhões/MW. Sem duvida, poderia ser argumentado que estas
áreas sejam compartilhadas, como ocorrem em outras partes do planeta, ou seja,
utilizada concomitantemente para outros propósitos, como agricultura, criação
de pequenos animais, etc. Mas isto não vem acontecendo.
Logo, o modelo adotado de
implantação dessa atividade econômica no Brasil é em si, causador de inúmeros
problemas ao meio ambiente e as pessoas. Os parques eólicos têm deixado
profundos rastros de destruição na vida das comunidades atingidas (exemplos não
faltam). Não somente com a instalação dos
aerogeradores, mas desde a obtenção do terreno (pela compra, ou pelo
arrendamento), sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação,
abertura de estradas de acesso dos equipamentos), a construção das linhas de
transmissão. Destrói territórios, desconstitui atividades produtivas e
desestrutura modos de vida de subsistência.
Tem agravado a situação a
velocidade em que os parques eólicos estão sendo instalados, sem o
devido acompanhamento e fiscalização, sem que requisitos socioambientais sejam
atendidos e cumpridos.
Na questão da terra
necessária para produzir energia em larga escala, os empreendedores vão
comprando, ou arrendando as terras da população local. São na verdade
desapropriações feitas pela iniciativa privada como parte de estratégias
agressivas para implantação dos complexos eólicos, que acabam inviabilizando a
sobrevivências de outras atividades econômicas locais, como a pesca artesanal, a
cata de mariscos, a agricultura familiar, a criação de animais, .... Assim comunidades inteiras são afetadas na
sua relação com o território e muito pouco, ou quase nada recebem em troca.
Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de
empresas eólicas. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas
socialmente injustas das empresas do grande capital, evidenciadas cada vez mais
com o passar do tempo. Para implantação dos parques e complexos as empresas
utilizam de diferentes expedientes como a celebração de contratos draconianos com
proprietários e posseiros, a compra de grandes extensões de terras, a apropriação
indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.
Os
contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência da parte
das empresas. Os trabalhadores se sentem pressionados a assinarem os contratos
sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre
induzidos por algum funcionário das empresas.
Quem continua a viver
nessas regiões quase sempre enfrenta a impossibilidade de continuar a produção
local, de manter seu modo de subsistência. A atividade eólica, tanto costeira ou
interiorizada acaba com as condições de sobrevivência no lugar e em seu
entorno, gerando poucos empregos de qualidade para os moradores da região, e
deixando lucros bem limitados. Tudo isso depois da euforia da etapa de
instalação dos equipamentos, com as obras civis, que acabam atraindo por tempo
determinado, trabalhadores locais e de outras regiões. Depois das obras
concluídas vem à rebordosa, com as demissões. Assim tem acontecido. Cria-se a
ilusão de prosperidade com o apoio da propaganda enganosa. O discurso da
geração de renda e emprego faz parte da estratégia.
Com relação à agressão ambiental têm sido atingidas
áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas, remoção de dunas,
provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras, ribeirinhos.
Tais situações tem sido constatadas no
Ceará e Rio Grande do Norte.
Em estados como Bahia, Piauí e Pernambuco a exploração
desta atividade ocorre no interior, em áreas montanhosas, de grande altitude, no
ecossistema Caatinga e Mata Atlântica (ou o que sobrou dela). E também nos
brejos de altitude, existente em Pernambuco e na Paraíba, verdadeiras ilhas de
vegetação úmida em meio ao ecossistema seco da Caatinga, onde a vegetação
existente são resquícios da Mata Atlântica primária, proliferando mananciais de
água que formam os riachos abastecedores de bacias hidrográficas. Portanto são
áreas onde se deveriam incentivar a conservação, preservação e a recuperação
destes ecossistemas naturais, dos seus mananciais e cursos de água.
Todavia, o movimento das administrações municipais,
estaduais e federal caminha em sentido contrário ao de proteger estes
santuários da vida. Além da omissão e conivência incentivam e promovem o
desmatamento de áreas de proteção permanente em nome do “desenvolvimento econômico”,
da geração de emprego e renda, justificando a destruição ambiental e a vida das
populações nativas em nome do interesse público (?).
A produção de energia elétrica a partir dos ventos hoje
é uma atividade econômica, cujo modelo de exploração implantado, causa inúmeros
problemas afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas. Contribuindo
mais e mais para ampliar um fenômeno que já atinge uma parte importante do
território nordestino a desertificação. A produção de energia eólica é
necessária, desde que preserve as funções e os serviços dos complexos sistemas
naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global. Mas
também se preserve as populações locais e seus modos de vida.
Afinal a quem serve este
modelo de implantação em que o Estado cooptado se omite e não fiscaliza? O que se
constata são aspectos negativos que poderiam ser evitados, desde que houvesse o
interesse e uma maior preocupação dos governantes quanto aos métodos e
procedimentos, uma avaliação mais rigorosa dos licenciamentos que levasse em
conta a análise de alternativas locacionais e tecnológicas, assim minimizando os
impactos desta fonte energética.
Logo, não se pode
considerar, levando em conta como estão sendo implantados os atuais projetos
eólicos, nem que sejam socialmente responsáveis e nem que sejam ambientalmente
sustentáveis. Longe disso.
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