Ensaio
11 de setembro de 2015
Por Gutemberg
Miranda, que é graduado em Filosofia pela UFPE e leciona na UFAL
Quando se imaginava que no mundo “pós-histórico”
viveríamos uma fase sem conflitos étnico-raciais e que nenhum rastro de
contradição social abalaria os pilares do Ocidente, assistimos homens e mulheres
baterem à porta da Europa, exigindo o cumprimento de direitos humanos básicos,
algo que representa um teste para os arautos da pós-modernidade, que se autoproclamam
guardiões incansáveis da pluralidade e da diferença. Enquanto milhares de
pessoas tentam atravessar fronteiras para sobreviver, vimos muros, vigilâncias
e agressões se expandirem por todo o planeta.
Refugiados morrem
diariamente tentando ingressar na Europa, cena que nos faz recordar a Segunda Guerra
Mundial, quando milhares de europeus buscavam asilo em várias partes do mundo. A
crueldade sofrida atualmente pelos refugiados árabes e africanos nos faz lembrar
os campos de concentração, com milhares de pessoas mortas ao tentar a travessia
seja por mar ou por terra. O próprio Oriente Médio, que vive uma crise sem
precedentes em sua história, também se assemelha muito a um imenso espaço
concentracionário, em que as pessoas não têm acesso aos alimentos nem a
segurança mínima diante das agressões dos vários grupos em luta numa guerra
civil interminável.
Tudo isso tem como causa o
Ocidente, ou melhor, as grandes superpotências que historicamente
desestabilizaram o Oriente Médio com a finalidade de tirar proveitos
geopolíticos e, consequentemente, econômicos. Nos anos noventa, Giorgio Agamben
escreveu um ensaio profético, Meios sem Fim,
chamando-nos a atenção para o significado histórico dos refugiados enquanto
expressão de um movimento capaz de gerar o Estado
de exceção, desmascarando a ordem totalitária do capitalismo atual. Enquanto
a guerra civil síria e o Estado Islâmico não ultrapassavam os limites
geográficos do Oriente, nós ocidentais não considerávamos a gravidade da crise
humanitária sofrida por milhares de pessoas.
Com a onda de refugiados
tentando ingressar na Europa, nós pudemos perceber claramente que o Estado de
exceção é a regra da ordem política e econômica da atualidade, e que no lugar
de progresso e desenvolvimento, a barbárie se alastra nas relações sociais e se
cristaliza por meio dos bens culturais, conforme Walter Benjamin já havia nos
alertado em suas Teses sobre o conceito
de História. O espectro de Auschwitz ronda não somente a Europa. Devemos
ficar atentos contra o fantasma da direita e do conservadorismo, cuja força,
inclusive, vem recrudescendo no Brasil, tal como assistimos nos apelos ao retorno
da ditadura militar expresso em cartazes e faixas em plena luz do dia.
A mínima concessão aos
anseios retrógrados e antidemocráticos deve ser rechaçada com veemência. A
crise econômica internacional e o agravamento das tensões geopolíticas devem
ser observados de forma sistêmica e através dos ensinamentos da História. A
luta contra o racismo e a xenofobia deve ser mobilizada internacionalmente, e o
direito ao refúgio para vítimas de guerra deve ser uma premissa inquestionável.
Não deixar que os árabes, africanos e latino-americanos
sofram qualquer tipo de discriminação na Europa está na ordem do dia. Devemos
resgatar o internacionalismo que esteve na base dos movimentos operários e
anarquistas e reforçarmos a solidariedade global em defesa dos refugiados. Ao
refletir sobre sua condição de exilado no livro Minima Moralia, Adorno escreveu algo muito importante para os dias
de hoje: “Cabe unir-se ao sofrimento das pessoas: o menor passo na direção das
suas alegrias segue no rumo de enrijecer o sofrimento”.
Pouca ou nenhum reflexão se faz sobre os reflexos internos no Brasil. O discurso dos que promovem e ou financiam essas guerras é o mesmo dos moralistas de plantão no Brasil. As lamúrias sobre a tragédia dos causadores é a mesma dos moralistas do Brasil. Que falta faz um espelho pra essa gente ordinária, que não se vê criticando tudo o quanto o mais cultiva, em nome do dinheiro, da ganância e das aparências.
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