Ensaio [*]
10 de agosto de 2015
Por Canudos,
Organização Política.
Durante época de eleições para delegados
para o Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE) e também da Assembleia
Nacional de Estudantes – Livre (ANEL) – entidades nacionais de representação
dos estudantes –, as organizações políticas que atuam no movimento estudantil
são cobradas a se posicionar. Observa-se uma movimentação agitada nos espaços
universitários com o intuito de exaltar a importância dos estudantes
depositarem seus votos nas urnas, alegando o papel fundamental de uma entidade
nacional estudantil. Porém, será que estes espaços serão resposta para a
articulação e mobilização dos estudantes em torno de suas pautas? De 3 a 7 de junho
acontece o Congresso da UNE [CONUNE] e de 4 a 7, o Congresso da ANEL. Neste
momento, é a esta questão que pretendemos responder [em dois textos]: neste,
sobre a UNE e, posteriormente, outro sobre a ANEL.
A
União Nacional dos Estudantes (UNE)
A UNE já há muito tempo sofreu um processo
de burocratização. O que significa que ela possui uma camada dirigente descolada
das necessidades reais das bases e que se torna autossuficiente na defesa de
seus interesses particulares. Geralmente os estudantes universitários só ouvem
falar da UNE em época de eleição de delegados para seus Congressos. Chapas da
seção majoritária (PCdoB, PT, PPL, PSB, etc.) e da Oposição de Esquerda (PSOL,
PCB, Esquerda Marxista, etc.) articulam-se e realizam grandes intervenções nos campus, buscando votos dos estudantes. Acabam
as eleições e sequer os debates e deliberações retornam para os estudantes, o
que demonstra o quão autossuficiente é este espaço e o pouco compromisso que
ele tem para com a base dos estudantes.
Sendo dirigida neste
momento pela União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao PCdoB, tornou-se um
aparelho de defesa do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e base de
implantação [das políticas deste último]. É válido retomar um pequeno histórico
da entidade, mostrando um pouco de sua organização interna. A partir disso cabe
nos questionar: pode a UNE voltar a ser perigosa? Perigosa para quem?
Forjada na década de 1930 como
uma articulação nacional do movimento estudantil, a UNE teve sua importância
nas mobilizações pela educação durante o governo Goulart – fim dos anos 50 e
início dos anos 60 – e, posteriormente, foi levada à clandestinidade pela
ditadura militar, em 1968. A entidade se rearticula em 1979 no contexto de
“abertura democrática lenta, gradual e segura”. Com diferenças e particularidades,
a UNE acompanha o processo de articulação do Partido dos Trabalhadores (PT) e
da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Nos anos 90, com o refluxo
generalizado das mobilizações de massas e também do movimento estudantil
nacional, a UNE inicia sua burocratização. Sem lutas nem vínculos orgânicos com
a base, a direção da UNE (UJS/PCdoB) reduz sua força à condução do aparato,
transformando os militantes em tecnocratas gestores do mesmo. Ainda durante a
campanha “Fora Collor”, a UNE não foi elemento aglutinador e nem intensificou lutas.
Neste período, a base estudantil modificou-se significativamente, devido à
expansão das universidades privadas.
Em 2002, com a ascensão de
Lula ao governo federal, a UNE torna-se braço do Ministério da Educação e
Cultura (MEC), atuando na implantação das políticas da União. As reformas iniciadas
pelo governo federal, de desoneração e expansão do ensino privado superior
(PROUNI, FIES) e expansão sem recursos das universidades públicas (REUNI),
processo conhecido como “reforma universitária”, foi amplamente apoiado pela
UNE. Paralelamente, articulava-se um movimento de estudantes contra tal
reforma. No ano de 2012 aconteceu uma das maiores greves estudantis das
universidades federais, e a UNE posicionou-se contra a greve, realizando negociações
com o governo federal e o MEC por fora do movimento.
Cabe salientar algumas
questões estratégicas neste debate. Os setores da “majoritária da UNE” são os
que fomentam a fé neste governo federal do PT que nos últimos anos vem
realizando cortes na educação. A única atividade da UNE no [mesmo período] se
reduziu à demanda pela meia-entrada estudantil, que inclusive vem sendo cortada
por ação da própria entidade. A lógica do gabinete e das mesas de negociação
substitui a lógica de construção e mobilização de base. A UNE recebe anualmente
verbas astronômicas do governo federal para manutenção da entidade. Isto, ao
invés de ser colocado a serviço das mobilizações, torna-se elemento essencial
de atrelamento da entidade ao governo. Dependência econômica causa subordinação
política.
As práticas e a própria
estrutura d[a] entidade mostram que ela está a serviço da manutenção do
governismo no movimento estudantil. As eleições para a UNE geralmente são
realizadas sem debates prévios sobre o sentido d[a] entidade, sobre porque
construir a UNE, [etc.]. Estratégias como burlar eleições, fraudar urnas e
listas de votação, são recorrentes n[a] entidade. Muitos delegados da seção
majoritária comparecem ao Congresso sem saber realmente o que acontece, e
muitos são puxados a ele pelas festas que ali ocorrem. Sendo a [ala] majoritária
[da UNE] presente na maioria das universidades particulares – grande maioria
dos estudantes universitários hoje em dia –, ela consegue manter sua hegemonia
na entidade não se preocupando em mobilizar os estudantes, mas somente em conseguir
tirar delegados de forma descolada de qualquer mobilização e servindo a
interesses próprios.
A chapa de Oposição de
Esquerda da UNE é uma frente com diversos setores do PSOL, PCB, Esquerda
Marxista, entre outros, que busca “tornar a UNE perigosa”. Em sua iniciativa,
eles sabem que é impossível competir com as práticas desonestas de hegemonismo
da ala majoritária. Neste sentido, a Oposição de Esquerda pretende disputar os
delegados que vão para o Congresso, ou seja, ela participa do Congresso com o
objetivo de aumentar os quadros de suas organizações. Mas, ao fazer isso, ainda
fomentam a fé n[a] entidade, como se a UNE pudesse ser uma via de mobilização
dos estudantes e também em algum sentido uma via de negociação com o governo
através de suas pautas.
Na mesma medida, participam
das eleições por fora da construção de base, das mobilizações e dos espaços de
auto-organização dos estudantes. E algumas vezes contra esses espaços. Em suma,
a Oposição de Esquerda se preocupa menos com a mobilização dos estudantes e
suas demandas do que com os interesses dos partidos e organizações de que
participam.
Neste sentido, cabe
salientar que o Congresso da UNE é recheado de festas. Os Grupos de Discussão
são esvaziados e as votações são praticamente enfrentamentos de torcida, com
seus tambores, bandeiras, etc. Pouco ou nenhum espaço sobra para debates
políticos efetivos sobre estratégia e luta.
Construir a UNE, realizar
eleições e fomentar a fé nesta entidade nacional cooptada é um grande
desserviço às mobilizações, pois fomenta uma ilusão nos estudantes. A UNE já é
perigosíssima, cumprindo um forte papel de desmobilizar as bases.
Mesmo que fosse possível
mudar a direção da entidade, caberia questionar: trocar a direção majoritária
da UNE pela Oposição de Esquerda mudaria algo? [Em] nossa [opinião], não. Por
fora das mobilizações de base, manter uma entidade nacional desta maneira cria
uma inevitável burocratização. Manter o aparato torna-se um objetivo em si
mesmo e as poucas energias que poderiam voltar-se à mobilização e à construção
de base voltam-se às tarefas burocráticas. Na mesma linha de
raciocínio outro questionamento pertinente é: trocar uma entidade por outra
transformaria o contexto em que estamos? É isto que tentaremos responder em
novo texto sobre Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL).
Conclusão
Quem nos lê pode [pensar] que somos contra
qualquer forma de representatividade ou de entidade, o que seria um engano.
Vemos que a entidade, estudantil ou sindical, pode cumprir um importante papel
não somente nos momentos de mobilização, mas também [na realização de] formação
política com os estudantes, no foment[o] à auto-organização dos mesmos e, em momento[s]
de luta[s], [no cumpri[mento] do papel de articulação das lutas, estando
submetida a elas. O que acontece com a UNE, [e que também vemos], ainda que com
algumas diferenças, na ANEL, é a impossibilidade desse aparato servir a tal
objetivo, seja pelas opções oferecidas de mobilização pelas correntes que a
compõem, seja pela própria estrutura da entidade. Temos energias limitadas [para
as] [mobilizações], e girar esforços para construir esta entidade degenerada é
desarticular o movimento estudantil e desviar os esforços.
Neste momento de [diminuição]
de 30% das verbas das universidades federais, insuficiência e cortes nas
políticas de permanência estudantil nas estaduais paulistas, luta por cotas
raciais e sociais na USP e UNICAMP, precarização do trabalho docente no ensino
básico, congelamento das contratações de servidores docentes e técnicos administrativos
nas universidades, fechamento de mais de 2 mil salas de aula na rede pública
básica no Estado de São Paulo, vemos como um desvio nas energias se empenhar em
construir uma entidade nacional. Ao invés disto, necessitamos nos rearticular
em nossos locais de trabalho e de estudo, impulsionando a auto-organização dos
estudantes por outro projeto de universidade e de educação.
Notas
[*] Postado com autorização do autor. Por
conta de iniciativa colaborativa entre o Coletivo
Transição e Canudos – Organização Política. Originalmente publicado em http://coletivocanudos.blogspot.com.br/2015/06/porque-nao-participar-da-une.html
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