Ensaio
17 de
julho de 2015
Por João Pedro Holanda, estudante de
História da UFPE e militante do Diretório Acadêmico de História Francisco
Julião (DAHISFJ).

Decidiu-se
que o último dia do carnaval seria uma grande oportunidade para assaltar o
quartel moncada, já que boa parte de seus soldados provavelmente estaria de
ressaca ou ainda comemorando o festejo: 26 de julho de 1953. Tomar o quartel,
distribuir armas para a população, estimulando a insurgência, tomar as centrais
de rádio e levantar o povo contra Batista: esse era o plano de Castro.
O
fator surpresa era a espinha dorsal do ataque, e sua perda foi justamente o
motivo para o fracasso da tentativa. Alguns militantes que se dirigiam ao
Moncada foram surpreendidos por tropas militares do governo, e entraram em
conflito. O barulho dos disparos alertou os soldados que guardavam o quartel,
que se colocaram em posição de batalha para o enfrentamento que parecia estar
por vir. Liderados por Raul Castro, os revoltosos tomaram o hospital que ficava
defronte ao quartel, na intenção de tratar os feridos em combate, contudo, esta
ação de nada adiantou, já que o quartel em si continuava em posse dos
militares, que entraram em confronto com o grupo “fidelista” nas ruas próximas
ao posto do exército. Oito mortos em confronto, cinco feridos e setenta presos
e torturados, posteriormente assassinados pelo governo.
Em
setembro de 1957, no bojo da articulação da guerrilha em Sierra Maestra, o
jornal carioca “Diário de Notícias” se mostra entusiasmado com o Movimento 26
de julho, e publica uma série de nove artigos intitulados “História da Vida de
Fidel Castro”, escrito pelas duas irmãs do guerrilheiro. Destes nove textos, há
um dedicado exclusivamente ao acontecimento de Moncada, descrito minuciosamente
e de forma poética, mostrando o sofrimento dos revolucionários, as intempéries
encontradas, a crueldade do governo Batista. Desde os motivos do fracasso
militar até a fuga dos líderes para as montanhas de Sierra Maestra, as mortes
nas sessões de torturas e as prisões dos que tinham conseguido recuar com
êxito, como Fidel, ou “Fidelito” como publicou o jornal. O periódico também
relata a tentativa frustrada de invasão à Cuba a bordo do iate Granma e a organização
dos rebeldes na Sierra Maestra, que seria agora o foco das ações guerrilheiras
de Castro e companhia. Sobre Moncada:
“Os mortos não falam: No ataque ao Moncada,
os mortos em combate foram o de menos. Muito mais foram os que caíram depois.
De início Batista dissera que os atacantes haviam tido trinta e duas baixas,
mas ao finalizar a semana os mortos já passavam de setenta. (...) E quando
tiverem passado os anos, e que o céu da pátria se tenha descarregado; quando se
tiverem aquietado os ânimos exaltados e o medo não mais perturbe os espíritos,
começar-se-á a ver em toda a sua espantosa realidade a enormidade do massacre
contra os que se renderam nos dias fatídicos de 26, 27, 28 e 29 de julho de
1953”.
Outro
periódico, o Diário do Paraná (órgão dos Diários Associados, a maior rede de
jornais do país à época), fez menção ao acontecimento de Moncada apenas em
1957, tratando-o como “assalto fracassado” e noticiando o pedido por parte dos
revoltosos de uma greve geral de 15 minutos para comemorar o quarto aniversário
da tentativa de tomada do quartel. O jornal não se propõe a esclarecer os
motivos e as pautas dos revolucionários, e dá coro ao posicionamento de parte
da oposição que pede que não se forme uma frente revolucionária em Cuba:
“Convém reiterar novamente - disse Grau
[ex-presidente cubano] - que para solucionar a grave crise cubana a única via
sensata é voltar à lei e ao cumprimento restrito da Constituição. Toda fórmula
que se aparte dessa linha logicamente tem que parecer perigosa e desnecessária.
Não é criando outro foco de perturbação politica, mas sim eliminando o
existente, que se resolvem nossos problemas”.
No
Brasil, a vitoriosas movimentações em Sierra Maestra foram noticiadas pela
mídia de uma forma geral. Na coluna do Diário
de Notícias sobre a vida de Fidel Castro, o último texto publicado foi
justamente sobre a guerrilha, intitulado “Desembarque e combates na Sierra
Maestra”, e apresenta, assim como as outras publicações da coluna, uma visão
positiva e até romântica de Fidel e seu movimento. De forma poética, as irmãs
do líder cubano narram os detalhes de sua partida do México, a angústia por
elas vividas ao não obter notícias claras sobre o sucesso ou fracasso da
invasão, e por fim a certeza (repleta de otimismo) de Fidel de que seu
movimento lograria êxito: “De uma coisa, porém, estava seguro: sua rebelião
seria a centelha que faria despertar o patriotismo dos cubanos. Esta centelha
já havia se comunicado e o paiol não tardará a explodir”.
O
Última Hora do Rio de Janeiro apresenta
uma postura diferente do Diário de
Notícias que vê o movimento como uma profícua luta anti-ditadura. O
periódico em questão se contém em publicar as informações oficiais do governo
cubano acerca dos vários confrontos entre suas tropas e os guerrilheiros. Com a
chegada do ano de 1958, o tablóide começa a mostrar simpatia pelo movimento de
Castro, e faz uma grande matéria intitulada “Fidel Castro: O Garibaldi das
Antilhas”. Nela constrói-se a trajetória de Fidel desde o começo dos anos 50 e
afirma-se que ele teria a intenção de se lançar candidato a deputado, mas fora
surpreendido pelo golpe de Batista, que o motivou a atacar o quartel Moncada, ato
classificado como “uma loucura consciente e organizada”. Narra também a sua
estadia no México e a preparação da luta revolucionária e o desastre da
travessia a bordo do Granma, quando “somente uns vinte dos oitenta
conquistadores ficaram vivos”. Conquistadores, note-se a palavra usada pelo
tablóide. Suas matérias meramente reprodutoras das notícias oficiais do governo
de Batista já não serviam mais. O jornal se assume agora como simpático ao M26-7.
A matéria continua exaltando a bravura do “Robin Hood moderno”, que conseguiu
estabelecer um Estado independente na província do Oriente, que já tem
condições de se manter com os donativos que lá vão chegando de toda a ilha.
Fidel, aponta o jornal, também extirpa juridicamente quaisquer tentativas de se
especular financeiramente, como a venda de produtos e serviços acima do preço
da tabela à população.
“Êstes (...) acabaram por ocupar um
território de cerca de 3000 quilômetros quadrados, onde instituíram uma
república independente. Castro, o democrata, é ali o senhor absoluto. É um
Estado-miniatura com polícia, exército, transportes, comunicações (...) e até serviço
de controles de preço (...). Não é por acaso que esse Robin Hood moderno passou
tantos anos estudando o Código. Os traficantes não prosperam muito tempo na
“Livre República de Cuba”. As sentenças do tribunal civil dos insurretos são
proferidas muitas vêzes por Castro em pessoa, debaixo de uma “majagua”, árvore
que é o símbolo da justiça”.
Até
as movimentações na Sierra, a mídia brasileira de forma geral via com bons
olhos o M26-7 e o próprio Fidel Castro. Quando não exaltavam suas qualidades
revolucionárias, tentavam ao menos repassar as informações noticiadas por
correspondentes do The New York Times, ou mesmo do governo cubano. Todos os
jornais pesquisados denominam o governo de Batista como “ditadura”, e talvez
por este motivo, enxergavam realmente o Exército Rebelde como combatentes
engajados numa luta justa. Ora, segundo os próprios conceitos liberais, já
cunhados por John Locke no século XVII, um governo tirânico pode ser deposto
pelo povo, quando aquele não garante à população a manutenção de seus direitos
inalienáveis. O próprio John Kennedy, Presidente dos Estados Unidos, admitiu,
em entrevista ao jornalista Jean Daniel Bensaid em 1963, que as políticas de
seu país foram fundamentais para criar uma humilhação e colonização econômica
em Cuba como nunca vistas em outro país, e saudou a proclamação de Fidel na
Sierra Maestra, quando defendeu uma Cuba justa e livre da corrupção. Claro,
saudou os revolucionários da Sierra, mas condenou Fidel por ter dado o
direcionamento socialista à revolução.
No
dia 3 de Janeiro, chegam as notícias cubanas aos jornais brasileiros: “Fôrças
de Fidel Castro entram ontem em Havana”, é a manchete do Diário de Notícias; “Fidel Castro hoje em Havana com o Presidente
Urrutia: o fim de (mais) uma ditadura”, proclama o Jornal do Brasil; “Fidel Castro lutou cinco anos para derrubar F.
Batista e restaurar a democracia em Cuba: proclamado Presidente Provisório o
Dr. Manuel Urrutia Lleo”, noticia o Diário
de Pernambuco. A Folha da Manhã
publicou na sua primeira página uma longa reportagem, com o título: “Entrada
Triunfal das Forças Rebeldes na Capital de Cuba”. O tablóide Última Hora já no dia 2 de janeiro
mostrava-se entusiasmado com a provável vitória das forças revolucionárias:
“Cuba: fuga espetacular de Batista com todos os membros do governo!”. E no dia
seguinte: “Declara Fidel Castro: ‘É agora que começa a Revolução em Cuba!’”.
A
mídia nacional, reitero, via com bons olhos o movimento “dos barbudos de Fidel
Castro”. Um grupo de jovens que foi à luta a fim de derrubar uma ditadura
sanguinária, para reestabelecer a ordem e a democracia, era visto pela imprensa
brasileira como a esperança de democratização não só daquela ilha, mas de
muitos países caribenhos que viviam situação semelhante. “A democracia
(liberal) há de vencer!” Era como se resumiam os pensamentos daqueles editores.
Porém, à medida que Cuba dava passos em busca de uma democracia social, uma
democracia distante dos padrões estadunidenses, a imprensa brasileira retirava
o apoio, passando mesmo a demonizar aquela conquista, e mais ainda seu líder,
Fidel Castro. Situação parecida também acontece quando essa mesma imprensa, em
boa parte, apoia o golpe de 1964,
aderindo ao discurso de que a democracia brasileira estava em xeque, ameaçada
pelo “perigo vermelho”. O mais conhecido crítico do regime cubano é o jornal O Globo, órgão fundado e controlado pela
família Marinho, conhecido até hoje pelos seus posicionamentos reacionários e
de direita.
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