Ensaio
13-23 de abril de 2015
Por
Leal de Campos, militante
socialista, ex-preso político e economista
O contexto e a lógica que viabilizaram o
aparecimento da coligação Syriza na Grécia, especificamente, estão diretamente
relacionados com a “crise humanitária” que se abateu sobre aquela nação
europeia, diante da aplicação dos “programas de austeridade” impostos a alguns
países do continente. Como já é sabido, neste processo de ajustes, sempre se
“socializa” os prejuízos financeiros em detrimento das conquistas alcançadas
pela classe trabalhadora, aposentados e pensionistas. Ou seja, nessas adequações são eles os que “pagam o
pato” - a conta.
Com efeito,
questões ainda pendentes, de ontem e de hoje, martelam as nossas cabeças
cotidianamente. É uma circunstância extremamente vexatória para todos nós,
pois enquanto a situação se agrava por toda a Europa, principalmente, os
partidos de esquerda continuam reafirmando as mesmas concepções políticas,
engendradas ao longo do tempo pelo burocratismo stalinista na União Soviética.
Por conseguinte, em face desse espectro que vai se perpetuando, apesar de todas
as críticas, as esquerdas de modo geral insistem em se intitular marxistas-leninistas. Mas, o que de fato
quer dizer isto? Nada mais do que um “dogma” criado por Stalin e seus asseclas,
para justificar serem eles os herdeiros de Lenin, do legado político deixado
por ele, antes e depois do triunfo revolucionário de 1917. O que serviu para
justificar a perseguição dos que se
opunham a essa descabida hegemonia, através da qual se eliminou covardemente a maioria dos dirigentes políticos daquela
insurreição, acusando-os de contrarrevolucionários
e de estarem a serviço do imperialismo...
Uma despudorada e indescritível ignomínia!
Agora, quando
aparecem outras experiências
políticas por fora dos partidos tradicionais da esquerda, principalmente dos
PCs que ainda subsistem com alguma inserção
mínima no movimento de massas, percebe-se que estes grupos são carentes de conteúdos
teóricos. Nada tem a ver com as tentativas anteriores dos movimentos
revolucionários dos séculos 19 e 20, a não ser com as deformações promovidas pelo stalinismo, que continua influenciando
muita gente, estimulando o patriotismo e o nacionalismo até as suas últimas
consequências.
Então, nesse
sentido, as alternativas que vão surgindo, tais como o Podemos (Espanha) e o
Syriza (Grécia) não tem perspectivas de evoluírem na direção de um programa socialista de transição, embora
se intitulem a si mesmas de esquerda. São elas eco das insatisfações da maioria
das populações grega e espanhola, com certeza, mas não numa condição de
atropelar e desmantelar a estrutura e o funcionamento do sistema capitalista.
Muito pelo contrário, querem gerenciá-lo, buscando saídas emergenciais. Isto
está bem claro no reformista “Programa de Salônica” do Syriza (renegociação
da dívida grega; fornecimento de energia para as casas que não tem como pagar
pelo aquecimento no inverno; construção de moradias para os sem-teto; aumento
do salário mínimo, redução do imposto sobre os pobres e a classe média;
subsídio para a compra de comida e transporte; e a ampliação do alcance da saúde
pública). Contradições essas sem possibilidades de soluções no momento
em que o capital busca recompor os seus ganhos.
Todavia, é até
muito louvável que apareçam novas experiências políticas por fora dos PCs
e de outros partidos, que já não respondem mais às demandas das sociedades em
desagregação continuada, inclusive as de “caráter humanitário”. Por isso, pode-se
afirmar que, aos poucos, o capitalismo está nos levando à barbárie e as
associações consideradas de esquerda nada tem a oferecer de novo. Consequentemente,
isto se dá no interior de um vazio que se estabelece nas lutas de
classes do dia a dia, representando um relativo
avanço por soluções aos impasses que se apresentam, entretanto sem nenhuma
possibilidade de desenvolvimento de uma possível teoria revolucionária que na prática nos leve a transformação da
sociedade capitalista a médio e longo prazo. Este é “nó górdio” dos problemas
com todas essas coligações esquerdistas.
Ora, depois de
tantas décadas de crises e mais crises, ao surgirem outras formas de organização,
elas não passam de experimentos de volta ao que foi a socialdemocracia
europeia, nas décadas de 50 e 60. É, como sempre, a procura de meios
para salvar o capitalismo em decadência, combinando isto com algumas concessões
aos que são efetivamente excluídos, através de conhecidas políticas assistenciais direcionadas a áreas mais carentes. O que
nos leva a nomear, sem dúvidas, este expediente de “social-liberalismo”.
Em decorrência
disso, o vácuo que se instaurou ao longo do tempo é imenso, e o stalinismo ainda se faz muito presente, distorcendo
e promovendo equívocos, tornando muito difícil a total superação da crise sistêmica do capitalismo por uma via
revolucionária. Entretanto, uma coisa é certa: não se pode analisar o processo
de lutas do presente, sem uma avaliação crítica sobre o que
aconteceu com a revolução russa. Não por acaso, a partir daquela importantíssima
experiência histórica se estabeleceram “preceitos” que ainda habitam as mentes
dos militantes socialistas e comunistas, evidenciadas em linhas gerais nos
seguintes pontos: a) a ideia de “tomada
do poder” por uma organização específica que surge para “dirigir” a revolução,
b) o funcionamento de um governo em nome
das massas, exercido por um “partido único”, e c) a supressão de todas as liberdades democráticas, com o objetivo
explícito de se evitar quaisquer questionamentos à estrutura burocrática.
Uma tragédia sem fim, que se processa numa visão presa ao passado.
Mas, mesmo
assim, será que haverá tempo hábil
para a construção de uma nova (outra) esquerda, que seja de fato socialista, revolucionária e anticapitalista
em todos os seus aspectos? Dúvida crucial, pois se constata que, quando
menos se espera, os PCs e outros partidos que também se dizem “marxistas” estão
trazendo de volta algumas teses stalinistas com o inconsequente propósito de
alicerçar um conteúdo político teórico para o presente, justificando assim as suas
deletérias ações como um recurso
válido e ainda útil nos tempos atuais. E isto quer dizer que, de outro lado,
ainda não se tem as condições objetivas
e subjetivas suficientes para se superar e desentravar este processo
de alienação por parte das esquerdas, embora existam sinais perceptíveis e
contundentes da necessidade de se construir, com a máxima urgência, correntes
de pensamentos críticos em direção de uma opção clara pelo socialismo, por uma
sociedade justa, fraterna e igualitária.
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