Ensaio
19
de dezembro de 2014
Por
Heitor Scalambrini Costa, professor
da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE].
O
que acontece com o Estado de São Paulo na questão da água é um exemplo do que
pode acontecer em outros estados e cidades brasileiras, segundo dados recentes
publicados pela ANA (Agência Nacional de Águas). Portanto, aprender e tirar
lições deste episódio poderá ajudar gestores públicos e a sociedade a não
repetir os erros que foram cometidos, e conviver melhor com uma situação que
veio para ficar. A crise hídrica, como ficou conhecida, não
ocorreu por uma única causa, ou por um único erro cometido, nem tampouco pela
falta de chuvas – mesmo considerando que esta seca é uma das piores dos últimos
84 anos. Na verdade foi um conjunto de fatores que levou a maior cidade
brasileira, sua região metropolitana e várias cidades importantes do interior do
Estado a sofrerem o desabastecimento de água.
A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do
Estado de São Paulo), empresa que administra a coleta, o tratamento, a
distribuição de água, e também o tratamento dos esgotos, é uma das maiores
empresas de saneamento do mundo, e uma das mais preparadas do Brasil – com um
corpo técnico altamente qualificado, e dispondo de uma boa infraestrutura. Assim
pode-se afirmar sem dúvida que a causa principal de tamanha incompetência foi a
sua administração voltada ao mercado, voltada ao lucro, que trata a água, um bem
essencial à vida, como uma mera mercadoria.
Em 1994, a Sabesp se tornou uma empresa de
capital misto, com a justificativa de que vendendo parte de suas ações
conseguiria mais recursos financeiros para investir nos sistemas de abastecimento
de água e de saneamento. Depois de 20 anos, o controle acionário se encontra
nas mãos do Estado, que detém 50,3% das ações (metade negociada na BMF/ Bovespa,
e a outra metade na Bolsa de NY), ficando os 49,7% restantes com investidores
brasileiros (25,5%) e estrangeiros (24,2%)
A Sabesp é a empresa outorgada para
utilizar e gerir o Sistema Alto Tietê, Guarapiranga e Cantareira, destinando em
tempos normais 33 m³/s para Região Metropolitana de SP. Com a persistência da
falta de chuvas e clima adverso, foi obrigada a reduzir pela metade a captação
(pouco mais de 16 m³/s), apesar de fazê-lo tardiamente. Assim, o que era
considerado um risco remoto tornou-se uma grande incerteza. A situação chegou a
um ponto tal de dramaticidade que foi perdido o controle do sistema hídrico e,
agora, além da captação do volume morto dos reservatórios, em curto prazo, a
população fica na dependência das chuvas.
Em 2012, em documento elaborado pela
própria Sabesp para a Comissão de Valores dos EUA, era admitido que pudesse
ocorrer diminuição das receitas da empresa, devido a condições climáticas
adversas. Assim sendo seria obrigada a captar água de outras fontes para suprir
a demanda de seus usuários. Portanto, se conhecia e se antevia uma situação que
acabou acontecendo. Porém nada foi feito pela Sabesp para diminuir este risco
previsível.
Por outro lado, a gestão da crise não visou
resolver os problemas da população, mas sim apenas amenizar a responsabilidade
da própria Sabesp, blindando o governo do Estado, cujo mandatário estava em
plena campanha eleitoral para sua reeleição. Em nenhum momento a gestão da
Sabesp ou o governo do Estado admitiram a gravidade da situação. Muito menos a
necessidade do racionamento, da diminuição da vazão, sendo ainda negadas pelas
autoridades paulistas as interrupções que se tornaram cada vez mais constantes
no fornecimento da água. Por isso, o que mais abalou a credibilidade do governo
foi a divulgação pela imprensa de uma gravação onde a presidente da Sabesp
admitia que uma “orientação superior” impediu, durante a campanha eleitoral,
que a empresa tornasse pública a real situação hídrica do Estado.
Todavia, mesmo com a tragédia anunciada,
penalizando a população, a empresa e seus acionistas vão muito bem. Basta
acompanhar os lucros extraordinários nos relatórios de administração dos
últimos anos, que geraram dividendos generosos para os acionistas da Sabesp, ao
passo que o investimento necessário não acompanhou a mesma intensidade dos
lucros obtidos pela empresa.
Esta situação por que passa a população
paulista e paulistana poderá se estender a outras regiões do país nos próximos
anos, caso persistam a má gestão, o desperdício e a devastação de nossas
florestas. É um alerta à questão da privatização dos nossos bens naturais, em
particular da gestão da água, do seu controle e distribuição. Daí a premente e
essencial participação da sociedade nas políticas públicas para que a gestão
das águas alcance resultados positivos, e não simplesmente siga a lógica da
maximização dos lucros.
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