Ensaio
26 de janeiro de 2014
Por Michel
Zaidan Filho, filósofo, historiador, coordenador do Núcleo de Estudos
Eleitorais, Partidários e da Democracia [NEEPD] e professor associado do
Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE].
"Os muçulmanos são as principais
vítimas da intolerância religiosa". François
Hollande
O governo francês constatou um relativo
aumento da tensão política em seu país depois das medidas tomadas contra os
militantes do Estado Islâmico em território francês. Várias entidades
muçulmanas pediram às autoridades francesas garantias para as mesquitas e o
exercício do culto religioso islâmico. O jornal americano New York Times e a
rede CNN consideraram altamente provocativas as novas charges publicadas pelo
novo número do jornal francês "Charlie", e resolveram não
publicizá-las. Não se combate a intolerância ou o desrespeito cultural com mais
repressão ou provocação, sob a alegação de coragem ou liberdade de expressão.
Um muçulmano francês que
publicou na rede charges apoiando os atos contra o "Charlie" foi
preso na França. Então, são dois pesos e duas medidas: contra o profeta Maomé,
pode. Contra os seus críticos, não pode. E a jurisprudência é uma só: liberdade
de expressão. A liberdade de expressão é muito boa para as empresas privadas e
os veículos de comunicação (quando não contrariam os interesses do
proprietário). Elas podem estimular o consumo de bebida alcoólica, usando
imagens desrespeitosas às mulheres; cigarros; dirigir em alta velocidade;
comprar substâncias milagrosas que reduzem o peso e rejuvenescem a pele, etc. A
liberdade de expressão, em países civilizados (onde o interesse público está
acima de interesses privados) está sujeita a controle e fiscalização.
Não pode tudo, nem
qualquer coisa. Não pode ofender a dignidade, o orgulho, à identidade cultural
das pessoas, pelo fato de serem diferentes, falarem diferente, vestirem-se
diferente e terem uma devoção religiosa diferente. O mundo tornou-se, malgré lui, multicultural. Choca a
sensibilidade pós-moderna que um país como a França, pátria das liberdades
modernas siga o exemplo da política norte-americana de sacrificar os direitos e
as garantias individuais em nome do combate ao terrorismo (ou em nome de "raison d’État"), praticando uma
política de direitos humanos "à la
carte", como disse a alta comissária dos Direitos Humanos, da ONU. E
não vale a justificativa de que os países, apesar das alegações em contrário,
sempre praticaram essa política, com vistas a defender seus objetivos.
O direito à diversidade e à
dignidade humana está acima de qualquer interesse estratégico ou econômico. Não
se deve esquecer que os veículos de comunicação são empresas e têm objetivos
estratégicos e econômicos a defender. Enquanto os cidadãos forem tratados como
meros sujeitos de direito civil ou comercial, a liberdade de expressão servirá
ao mercado, às empresas, não ao bem-comum e à humanidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Adicione seu comentário.