Ensaio
21
de novembro de 2014
Por
Jones Makaveli, graduando em História pela UFPE, pesquisador
do NEEPD e militante da UJC.

As
denúncias mostram que o esquema de corrupção está vigente há 15
anos - portanto, começa no Governo FHC e se estende pelos governos
de Lula e de Dilma. As empresas envolvidas financiaram todos os
partidos (menos o PSOL) que conseguiram eleger representação no
Congresso (deputados e senadores); estão entre as maiores doadoras
de campanha e financiadoras dos partidos e estão em várias obras
públicas e recebendo diversas linhas de financiamento.
Para
se ter uma ideia do tamanho dessa infra-institucionalidade, só a
Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez "doaram":
"Entre as eleições de 2002 e 2012, juntas, as quatro empresas
investiram mais de R$ 479 milhões em diversos comitês partidários
e candidaturas pelo Brasil" [1]. Em troca disso, o BNDS “entre
2004 e 2013, realizou 1665 transferências para as construtoras das
“quatro irmãs”, totalizando mais de R$ 1,7 bilhão em
empréstimos”.
O
tamanho do controle dessas empresas na economia brasileira é tão
grande que o juiz do caso, Sergio Moro, se recusou a declarar o
patrimônio das empresas acusadas como inidôneas (ou seja, o
patrimônio seria considerado fruto de atividades ilícitas e
congelado), pois isso “pararia o país” [2]. Ao reconhecer isso,
o juiz “legaliza a ilegalidade”: deixa claro que a ilegalidade
tem que continuar funcionando para a normalidade das coisas. Sempre
quando aparecerem esses grandes escândalos de corrupção, alguém
invoca a necessidade da “ética na política”. O professor Vieira
protesta contra essas avaliações superficiais:
Assim,
ao invés de lastimarmos a carência da moralidade no trato do
interesses públicos, imaginando que uma boa dose de sermões
dominicais ou admoestações aos políticos poderia resgatar a ética
na política, ou ainda, alimentarmos mais uma vez a ilusão que algum
novo partido político, este enfim, possa constituir-se no ícone da
moralidade política, o que precisamos é, de fato, assumir
seriamente o estudo das raízes dos problemas muitas vezes invisíveis
ao olhar superficial (VIEIRA, 2006, p.110).
Mas
o foco nesse texto não é apontar o tamanho do esquema de corrupção
e sua inserção no sistema político, mas chamar a atenção para a
seletividade do direito penal. O Brasil tem a terceira maior
população carcerária do mundo (em números absolutos) com mais de
700 mil presos. Em termos relativos, somos a segunda maior população
carcerária do mundo (dividindo o número total de presos pelo número
total de habitantes). A imensa maioria dos presos não cometeu “crime
de sangue” (como assassinato, etc.). As cadeias brasileiras estão
ocupadas majoritariamente, por pessoas que cometeram pequenos furtos,
roubos ou acusadas de tráfico de drogas. Pior: o Brasil é o 11°
país com o maior número de encarcerados sem julgamento. Temos 240
mil pessoas que estão presas na mais completa ilegalidade. E sobre a
situação dos presídios:
É
o estado apavorante das prisões do país, que se parecem mais com
campos de concentração para os pobres, ou com empresas públicas de
depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições
judiciárias servindo para alguma função penalógica – dissuasão,
neutralização ou reinserção (WACQUANT, 2011, p.13).
Então,
como podemos perceber, não somos nem de longe o “país da
impunidade”. A questão que quero levantar é que a Operação
Lava Jato mostra bem que o direito penal não é uma forma de acabar
com a ilegalidade, mas geri-la de forma diferencial de acordo com os
interesses da classe dominante. Temos um aparelho penal que aplica a
“Tolerância Zero” às ilegalidades mais comuns no seio da classe
trabalhadora, legitimado pelos aparelhos ideológicos das classes
dominantes, e uma lógica de aceitação das ilegalidades burguesas.
Isso é bem explicitado por Foucault:
Ou
para dizer as coisas de outra maneira: a economia das ilegalidades
dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que
corresponde a uma oposição de classe, pois, de um lado, a
ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens –
transferência violenta das propriedades; de outro a burguesia,
então, se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de
desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; de fazer
funcionar todo um imenso setor de circulação econômica por um jogo
que se desenrola nas margens da legislação – margens previstas
por seus silêncios, ou liberadas por uma tolerância de fato. E essa
grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma
especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de
bens – para o roubo – os tribunais ordinários e os castigos;
para as ilegalidades de direitos – fraudes, evasões fiscais,
operações comerciais irregulares – jurisdições especiais com
transações, acomodações, multas atenuadas, etc. a burguesia se
reservou o campo fecundo da ilegalidade dos direitos (FOUCAULT, 2012,
p. 84).
Ou
seja, não estamos tratando de uma falha do nosso sistema judiciário.
Evidentemente que a configuração institucional de um sistema
jurídico pode facilitar ou dificultar a realização de
ilegalidades, mas o direito penal é intrinsecamente seletivo. Ele
não tem e nem pode ter mecanismos para acabar com as ilegalidades
(isso não é possível), pois essas ilegalidades não são fenômenos
ontologicamente jurídicos, mas sim relações assimétricas de poder
que assumem – pela própria forma do capital – a forma jurídica.
Não
custa lembrar que a Operação Satiagraha da Polícia Federal também
revelou um amplo esquema de corrupção que abarcava várias figuras
de diferentes aparelhos do Estado e muitos empresários. Além de
ninguém ter sido preso - mesmo com a imensidão de provas, os
investigadores da operação foram punidos e o delegado Protógenes
Queiroz foi afastado do seu cargo. A lógica dos juízes foi de que
muitas provas foram conseguidas de maneira ilícita (sem cumprir os
devidos tramites legais).
Aí
percebemos a seletividade de classe do sistema penal burguês: temos
mais de 240 mil pessoas presas irregularmente (todos pobres e a
maioria negros) e isso não perturba o funcionamento do nosso sistema
judiciário e carcerário. Mas a grande quadrilha formada por
burgueses e grandes funcionários do Estado é inocentada – mesmo
as provas demonstrando a culpa – por um suposto procedimento
ilegal. Portanto, muito mais que lamúrias moralistas, o que fica
claro é que as ilegalidades são constituintes, parte essencial do
direito burguês. Além disso, essa infra-institucionalidade só
deixa claro o grau de controle da burguesia do processo
político-eleitoral e reforça ainda mais uma certeza: o PT e o PSDB
são sócios, duas cabeças de um mesmo monstro na direção da
reprodução do sistema político burguês.
Notas
[1]
http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/quatro-irmas-assim-atua-capitalismo-brasileiro-8489.html
[2]
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1549018-pais-para-se-empreiteiras-nao-puderem-contratar-com-governo-diz-advogado.shtml?cmpid=%22facefolha%22
Livros
citados
Michel
Foucault. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel
Ramalhete; Editora Vozes, Petrópolis, 2012.
Luiz
Vicente Vieira. A Democracia com pés de Barro: O diagnóstico de uma
crise que mina as estruturas do Estado de direito. Recife, 2006.
Editora Universitária.
Loic
Wacquant. As prisões da Miséria. Tradução: André Telles, Editora
Jorge Zahar – Rio de Janeiro, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Adicione seu comentário.