Ensaio
29 de julho de 2014
Por Heitor Scalambrini Costa, Professor da Universidade Federal de
Pernambuco.
Em
Pernambuco, o mais mesquinho dos egoísmos é como o governo tem tratado mal a
questão ambiental e descuidado da qualidade de vida de sua população, pois não
protege a natureza e nem respeita as pessoas. Aqui impera o racismo ambiental. O
crédito público associado às isenções e aos incentivos fiscais e financeiros
são armas poderosas que poderiam ser usadas para induzir um novo tipo de
comportamento, exigindo integral e verdadeira responsabilidade social das
empresas que viessem a se instalar no Estado. Quase a metade do crédito, todo
de longo prazo e módicos juros, vem de bancos públicos muitas vezes avalizados
pelo governo estadual. Logo, se o governo quisesse outra forma de
desenvolvimento (humano e social) seria possível: bastava induzir boas práticas
através de sua força econômica, mudando os incentivos.
Ao
invés disso, o governo estadual é o maior promotor de conflitos socioambientais,
como nas remoções forçadas dos moradores para as obras da Copa, provocando
também degradação ambiental. Merece também destaque a violência praticada pela
empresa pública Suape contra os moradores nativos do território abrangido pelo Complexo
Industrial Portuário de Suape (CIPS), e o desmatamento local de Mata Atlântica,
manguezais e restingas. Somente para citar dois exemplos.
Os
primeiros quatro anos de gestão do ex-governador, agora candidato presidencial,
foi uma verdadeira catástrofe ambiental, se caracterizando como um governo
autoritário, com promessas ilusórias, sem dialogo com os setores da população
(quem participou dos seminários do Todos
por Pernambuco sabe bem como funcionou), desconsiderando completamente as
argumentações daqueles que ousaram apontar as mazelas que estavam ocorrendo em
função do crescimento econômico desordenado e predatório, particularmente com relação
ao território do CIPS. O autoritarismo aliado à completa falta de dialogo
distanciou a gestão estadual dos movimentos sociais.
Foram inúmeras medidas desastrosas adotadas em nome do
crescimento econômico, obedecendo a uma mentalidade que tem base na visão ultrapassada
do “crescimento a qualquer preço”, ignorando a dimensão sócio-ambiental. O mais
lamentável foi o Projeto de Lei Ordinária no 1496/2010 (17 de março)
enviado pelo executivo a Assembléia Legislativa (Alepe) referente à maior
supressão de mata nativa já ocorrida em Pernambuco (e talvez no Nordeste).
Inicialmente previa desmatar cerca de 1.076 hectares
(equivalentes a 1.000 campos de futebol) de vegetação nativa em áreas de
preservação permanente para obras de ampliação do CIPS. Após pressão e
indignação popular este montante foi reduzido para 691 ha (508 de mangue, 166
de restinga e 17 de Mata Atlântica).
A aprovação ocorreu mesmo com o parecer contrário da
Comissão de Meio Ambiente da Alepe, que já questionava a supressão dos 88,7 ha de mangue e
restingas entre 2007 e 2008, cujas compensações ambientais não haviam sido
cumpridas pela empresa Suape, que por sucessivos anos desdenhou do Ministério
Público, assinando Termos de Ajustes de Condutas (TAC´s) que não foram
respeitados.
Outro empreendimento, em nome de um crescimento
econômico a cada dia mais questionado, que resultou na agressão ao que ainda
resta da vegetação da Mata Atlântica (somente 3,5%), foi à implantação e pavimentação do contorno
rodoviário do município do Cabo de Santo Agostinho, a chamada “Via
Expressa”. Dos 11,8 ha
suprimidos, 2,6 ha
estão localizados em áreas de preservação permanente.
Outra
decisão também equivocada na área ambiental, que mostra claramente a inequívoco
desprezo pelo meio ambiente e pelas pessoas, foi à opção por tornar Pernambuco
um pólo de termoelétricas consumidoras de combustíveis fosseis (o vilão do
aquecimento global). A tentativa de trazer para o Estado a maior (e a mais
poluente) termelétrica a óleo combustível do mundo, anunciada pomposamente, em
julho de 2012, como Suape III (1.450 MW), foi rechaçada pela sociedade
pernambucana. Se tal construção fosse realizada, em pleno funcionamento iria
despejar, segundo cálculos preliminares, em torno de 20 mil toneladas dias de
gás carbônico (CO2). Todavia, a termoelétrica Suape II (320 MW),
construída para ser acionada apenas em situações de emergência, funciona
diariamente. Ainda na área energética/ambiental, merece destaque o interesse do
governador, agora presidenciável, pela vinda da usina nuclear, anunciada
inicialmente para o município de Itacuruba, a 512 km de Recife, no sertão,
às margens do Rio São Francisco. Com uma biografia dessas na área ambiental, no
seu segundo mandato o ex-governador tentou colorir de verde o seu governo. Para
isso cooptou seu ex-adversário, candidato do PV a governador, oferecendo-lhe a recém-criada
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade.
Algumas
ações foram possíveis, utilizando a figura pública do ex-secretario, que atuou
e militou, até então, nas causas ambientais. Com o apoio intensivo da
propaganda e do marketing político foi divulgado alguns projetos nesta área.
Foram criadas reservas de proteção permanente “de papel”, foi lançado o projeto
Suape Sustentável (que até agora não disse para que veio), dentre algumas
medidas de caráter midiático. Além disso, foram abertas algumas portas para a
projeção a nível nacional e internacional da figura do governador como amigo da
natureza, já que a Conferencia Rio+20 se aproximava e se tinha que fazer algo
pela imagem do governo na área ambiental.
De
13 a 15
de abril de 2012, aconteceu no Recife uma reunião denominada “Pernambuco no
Clima” com o patrocínio do Governo Estadual, da Prefeitura do Recife e da Companhia
Hidroelétrica do Rio São Francisco (CHESF). Este evento, como anunciado pelos
seus organizadores, foi uma reunião preparatória do Rio-Clima (The
Rio Climate Challenge), que ocorreria paralelo a Conferencia Rio
+20, no Rio de Janeiro. Nesta reunião, como atestou à relação de participantes,
a sociedade civil organizada ficou de fora. Marcaram presença entidades e
personalidades com fortes vínculos com o governo nas três esferas, além de
personalidades e cientistas nacionais e internacionais que contribuíram para avalizar
o aspecto técnico do referido encontro.
Para tornar Pernambuco uma das sedes dos jogos da Copa
das Confederações e da Copa do Mundo, não foram medidos esforços no
comprometimento financeiro do Estado e na tomada de medidas socioambientais injustas.
Segundo a Secretaria Geral da Presidência da República 1.830 desapropriações
ocorreram, sendo 1.538 residências e
292 imóveis comerciais, terrenos, para as obras ligadas a Copa do Mundo de 2014. A truculência das
expulsões e as irrisórias indenizações caracterizaram este triste e
inesquecível episodio imposto pelo governo do Estado. Somente a construção da
Arena Pernambuco e da Cidade da Copa resultou no desmatamento de uma
área considerável do fragmento da Mata Atlântica no município de São Lourenço
da Mata, situado a 20 km
de Recife. O projeto previsto da Cidade da Copa (não executado) abrangeu uma
área de 239 ha
para construção de todos os equipamentos (prédios residenciais e um hospital).
A Arena, única construção existente no local, ocupou cerca de 40 ha desse total.
Hoje
a situação não mudou. O que era já planejado na época se concretizou com o
lançamento do ex-governador como candidato a presidente. A ex-senadora e
ex-ministra do meio ambiente do presidente Lula foi incorporada na chapa que
disputará as eleições de outubro próximo. Algo de um pragmatismo exemplar na
política brasileira diante das diferenças abismais entre os pensamentos e as
ações de ambos em suas respectivas vidas públicas. Mas a politicagem brasileira
sempre nos reserva surpresas.
A
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade segue não mãos do
partido Verde. E este tem demonstrado o quanto é utilizado, dirigindo uma
secretaria de quinto escalão. Problemas
ambientais gravíssimos existem em todas as regiões do Estado, e a SEMAS segue o
seu caminho.
Apesar
das recentes promessas, que não são poucas, a chapa da “nova política”, como
se denominam seus integrantes, não é confiável na área ambiental. Mais
recentemente demonstrou total desrespeito à inteligência alheia, quando no dia
mundial do meio ambiente (05 de junho) a população foi convocada, pelo agora
defensor da natureza, o ex-governador pernambucano, a se manifestar através das
redes sociais contra o “retrocesso ambiental” do governo federal. A convocação
tinha sentido, mas não tinha quem a convocou.
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